domingo, agosto 14, 2011

Evitar que polícias virem ladrões

Há muito tempo que não assistia a cena semelhante. Protagonizada por agentes da Polícia Municipal. A última que presenciei aconteceu faz meses. Foi perto da Padaria Lafões. Ali, num ápice, modestas a pacatas vendedeiras de legumes e de hortícolas viram os seus produtos apreendidos. Ou, usando linguagem mais adequada, roubados. Retirados de cima do passeio e atirados para cima de uma viatura policial de caixa aberta. Que rapidamente se pôs em movimento e se afastou do local. Sem qualquer explicação, sem nenhuma troca de palavras. Agora, o mesmo tipo de actuação repetiu-se na Avenida 24 de Julho. Frente às instalações do Instituto Comercial. Eram cerca de 16.30 horas do penúltimo sábado. A vítima, desta vez, foi um vendedor de calçado. Um também pacato vendedor que tinha a sua mercadoria exposta no passeio. Aqui, mais uma vez, mercadoria tem o significado de ganha-pão. Também não foram necessárias palavras nem justificações. Menos ainda documento sobre a mercadoria apreendida e onde poderia ser reclamada. Houve apenas um apontar de duas armas de fogo na direcção do amedrontado e atónico vendedor. Enquanto outras quatro mãos limpavam o passeio. Atirando apressadamente os artigos expostos para a caixa da viatura. Que rapidamente se pôs em movimento e desapareceu. Deixando incrédulos tanto o vendedor como quantos assistiam ao que se estava a passar. Pela forma e pela rapidez como tudo se passou. Que mais parecia um assalto à mão armada. Em plena luz do dia e numa das mais movimentadas artérias da capital. Do que uma acção policial, que se pretende legal e em defesa do bem-estar da sociedade.


No rescaldo da operação desencadeada por estes “destemidos” e “bravos” agentes policiais, não faltaram comentários. De vendedores de cigarros, de jornais ou de recargas de telemóvel que, habitualmente, estão posicionados no passeio da faixa contrária. Ou de ocasionais transeuntes. Naturalmente, o que se ouviu foram comentários nada abonatórios, tanto em relação aos agentes da acção, como aos seus responsáveis directos. De quem dependem e quem autoriza ou é suposto autorizar, este género de actuação. Esta forma simples e fácil, aparentemente fácil, de apontar armas ao cidadão. Que não foi apanhado a roubar e que se presume não ser ladrão. Sobre o conteúdo desses comentários, manda o decoro e o respeito que seja evitado a sua reprodução pública. Até porque iam muito para além da actuação dos gestores municipais. Importa, porém reter alguns aspectos que bem podem evitar a repetição de acções do género. O primeiro, é que houve um excesso de força. Que houve um aparato militar e intimidatório desnecessário. Contra um vendedor isolado e indefeso. O segundo, é que este tipo de operações policiais só devia ser permitido mediante a emissão de um documento dos artigos apreendidos. Como isso não está a acontecer, pode admitir-se, é legítimo admitir-se, que estes agentes são polícias descomandados. Que estão a agir à margem das orientações e do controlo do seu comando. Que estão a agir em proveito próprio, em proveito pessoal. Mas que, de forma premeditada ou inconsciente, estão a adubar terreno fértil à agitação social. Parece não ser pedir muito pedir a abertura de um inquérito à actuação da Polícia Municipal. Que utiliza viaturas, combustível, armas e fardas pagas com o dinheiro dos nossos impostos. Para se saber se há ou não abusos de poder e excessos de zelo. Mas, e sobretudo, evitar que polícias virem ladrões.