terça-feira, abril 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 17, 2005

antes e depois

Luís David


As surpresas podem ser mais do que muitas


O crime organizado, todos o sabemos, está ramificado. Ramificou-se por tudo quanto é mundo. E, quando falamos de crime organizado, não estamos a fazer qualquer distinção. Estamos a falar de organizações de malfeitores. Na generalidade. Quer o objecto do crime seja o tráfico de menores ou de órgãos humanos, de motores de aviões ou de droga, de urânio ou de tecnologias de ponta. Na maioria dos campos de actuação das organizações criminosas, as polícias de diferentes países reconhecem a sua incapacidade para um combate eficaz. E, por várias razões. Uma delas, é a de o crime organizado ter acesso fácil e rápido às mais modernas tecnologias de comunicação e de informação. De andar sempre à frente das polícias em termos de meios. De poder comprar o que quer e onde quer. Sem necessidade de abrir concursos públicos. Sem necessidade de respeitar dotações orçamentais. Em alguns países, já se percebeu que o combate ao crime organizado não se compadece com esse velho e anquilosado sistema de serem necessárias três cotações para comprar meia dúzia de resmas de papel. Ou umas tantas caixas de papel higiénico. Percebeu-se, ao que parece, que legalidade é uma coisa e legitimidade é outra. Bem diferente. Mas, e ao que parece, terá havido também a percepção de que, em última análise, o crime organizado poderá ser, hoje, a mais séria ameaça para qualquer sistema democrático. Que poderá conduzir à criminalização do aparelho do Estado e, em última instância ao derrube do governo.


Ao que se diz e ao que ao que se pode concluir do que tem vindo a ser divulgado, as várias polícias moçambicanas tem estado, nos últimos tempos, bastante activas no combate ao crime organizado. Principalmente, no combate ao tráfico de drogas. As mais diversas. Curiosamente, toda a droga apreendida provinha do Brasil, passou por Joanesburgo e foi apreendida em Maputo. Mais precisamente no seu aeroporto internacional. Curiosamente, os transportadores, os “pombos correios”, foram sempre, até hoje, mulheres. Ao que parece e a avaliar pelos seus depoimentos tornados públicos, raparigas, jovens ingénuas e incrédudas. Nenhuma soube dizer quem lhe entregou o “produto” ou a quem o mesmo se destinava. Embora algumas o transportassem bem escondido nas entranhas. Nestes casos, que parece terem sido a maioria, terá prevalecido o faro canino dos agentes policiais de serviço e alguns dedos atrevidos. Já acusados – os ditos dedos – de terem atentado contra os direitos humanos. Por terem penetrado onde era suposto, e ao que parece de direito, não haverem nunca de penetrar. Ora, se é justo pensar é justo afirmar que nenhuma rede de tráfico de droga continua a utilizar o mesmo processo e a mesma rota depois de, sucessivamente, os seus “pombos correios” serem detectados. Naturalmente, as nossas polícias estão a dizer-nos a verdade quando divulgam que apanharam transportadoras de droga. Mas, também podem estar a ser enganadas. Podem estar a ser mal informadas ou a ser informadas por uma de duas organizações em conflito. Como também pode acontecer, por hipótese, ser a organização criminosa a informar sobre os seus transportadores de pequenas quantidades de droga. Por forma a desviar as atenções. Como forma de permitir às polícias informarem a opinião pública que estão empenhadas no combate ao tráfico de droga. Para que assim possam, por ingenuidade ou conivência, conseguir que a droga entre no país por outras vias e por outros meios. Possam ou não as nossas polícias ser ingénuas, os cidadãos podem não o ser tanto. É que parece haver muita história mal contada. Ou, contada com certa infantilidade. Com uma ingenuidade infantil. Mas, ao que perece, a novela ainda mal começou. Aguardemos pelos próximos capítulos. As surpresas podem ser mais do que muitas.