domingo, dezembro 12, 2004

Publicado em Mpauto, Moçambique, no Jornal Domingo, de 5 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David

saber criar

Coisa difícil, parece ser, é, não escrever após as eleições sem ser sobre eleições. E, escrever sobre as recentes eleições, neste momento, é, terá de ser, evitar engrossar a corrente, aparentemente dominante e dominadora, daqueles que se perfilam, que se perfilaram, para pedir estudos e investigação do que consideram como fenómeno da abstenção. Querem saber uns, querem conhecer outros, o motivo, a causa, a razão que levou o camponês a preterir a mesa de voto em alternativa à machamba e o citadino a optar pela praia ou pelo copo na barraca em alternativa a cumprir com o seu dever cívico. São, logicamente, preocupações legítimas. Intelectualmente legítimas. Talvez, arrisco sugerir, desfasadas da realidade cultural nacional. Se sim ou se não, os estudos, a fazer no curto e no médio prazos, pagos, muito hipoteticamente, por quem suportou os custos destas eleições, irão surgir. Irão, virão dizer-nos, virão tentar provar aquilo que já foi dito e ficou provado em eleições anteriores. Este modelo, caro, demasiado caro para a nossa realidade e que se presta a grosseiras intromissões estrangeiras, está esgotado. Na pior das hipóteses, é necessário pensar. Mesmo quando todos sabemos que pensar é exercício difícil. E, arriscado. Principalmente quando os bonzos já estão perfilados.


Pessoalmente, mal conheci António de Almeida Santos. Doutor em Leis, formado na Universidade de Coimbra, aqui se fez radicar há muitas décadas. Depois do 25 de Abril, regressado a Portugal, fez parte de diferentes governos. Foi Presidente da Assembleia da República. Na Minerva, descobri, um dia, textos e fotografias da sua vinda a Moçambique. Numa casa de venda de discos, que existiu no prédio das arcadas, hoje EMOSE, recordo ter comprado, já a preço de saldo e pouco antes de encerrar, vários exemplares de um disco seu, com fados de Coimbra. Um disco dos seus tempos de fadista e de boémio. Mais recente, mais recentemente, tive oportunidade de ler dois dos últimos dos muitos livros que escreveu ao longo da sua vida. Num, com cerca de 400 páginas “Por favor preocupem-se”, cuja quarta edição tem data de 1999, revela as suas preocupações sobre os problemas actuais, manifesta o seu cepticismo em relação à democracia participativa perante os avanços das novas tecnologias e escreve: O velho expediente de reunir no adro da igreja todos os cidadãos de uma minúscula unidade política para, de braço no ar, decidirem o que achavam melhor para a respectiva comunidade regressará, tecnologicamente alargado, ao espaço nacional, continental, universal amanhã. Mas antes, muito antes, logo na página 8 da mesma obra nos havia advertido: Tendemos a rejeitar o que nos desagrada. Em contraponto acreditamos facilmente no que desejamos. Daí que as posições confiadas e relaxantes colham mais adesões do que as advertências pesadas. Ou, parafraseando Nietzsche, Não é no conhecimento, mas sim na criação que está a nossa salvação. Então, para além de conhecer, do muito conhecer, por muito se poder vir a investigar e conhecer, há que saber criar. Assim, temos e havemos de saber criar. Porque, assim o diz o filósofo, a nossa salvação não está no imitar. Não está no copiar. Não está no saber copiar. Afinal, estas, tarefa medíocre, tarefa de medíocres, tarefa de bonzos. A nossa tarefa está em criar. Em saber criar.