domingo, dezembro 26, 2004

Publicado em Maputo, Moçammbique no Jornal Domingo de 19 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David


uma extrema aberração


Em diferentes ocasiões e por diferentes motivos, fala-se em lusófono e em lusofonia. Há, até, reuniões, congressos, festivais de lusófonos e em nome da lusofonia. Pretende-se, ao que parece, nestas reuniões em que se encontram homens e mulheres de origens e de culturas diferentes e diversas, tentar afirmar que, afinal as partes constituem um todo. Pretende-se, em síntese e em tese, ao que parece, tentar fazer acreditar que os colonizados de ontem, ao assumirem ou ao terem sido forçados a assumir certos valores do colonizador, são hoje seus iguais. Fazem parte do seu mundo cultural, étnico e linguistico. Que todos se identificam numa cultura lusófona. Que ninguém sabe o que é, por em momento nenhum ter sido estudada, menos ainda definida. Que é, por exclusão de partes, coisa nenhuma. Que não existe. Ou, melhor, existe apenas e unicamente como neologismo. Não passa de uma palavra nova. Que, podendo não ser mais do que isso, também o pode ser. Pode ser uma palavra, pode ser um neologismo, com um sentido e um significado neocolonialista. Certamente que assim pode ser, que assim é.


No seu ensaio filosófico, a que deu o título “O Enigma Português”, F. Cunha Leão, falecido em 19774, busca as origens da fundação e da sobrevivência de Portugal ao longo dos séculos. E, escreve (pag. 89): Herculano contestou com veemência a filiação lusitana dos portugueses fundada na história de Roma e defendida pelo renascimento eborense. Segundo ele as sucessivas invasões e razias que o território sofreu por tão diversos povos reduzem a mera soberbia infundada essa tentativa genealógica de ir buscar fama a Sertório e a Viriato. Nas suas “20 Teses” sobre o tema referido, talvez a parte mais importante da obra, parece bem claro: 1) Uma parte da Galiza e outra da Lusitânia formaram Portugal. (...) 3) Lusos e galaicos distinguem-se, posto que povos individualizados em finisterra, de parentesco próximo e afinidades incontestáveis. 4) O português é uma síntese de lusitano e galaico, um luso-galego e só metaforicamente lusitano. Mais diz o filósofo, que escrevia em 1960 (tese 14), Os descobrimentos e a colonização constituem por isso a suprema afirmação dos portugueses, a linhas das comeadas do seu contorno histórico, e bem assim o complexo fenomenal que mais aproveita à interpretação da Grei. Ora, se bem entendo e se bem interpreto o filósofo, o lusitano nunca existiu. E, nesta linha de pensamento, se o lusitano não existiu, se não existiu no seu estado puro ou se existiu apenas como mestiçagem, como produto de um caldear de culturas, não poderá ser outra coisa se não um híbrido. Assim, assim não existindo, como parece não existir, o luso ou o lusitano, menos motivos parece haver para que possam existir lusófonos e lusofonia. De resto, e por fim, à luz do exposto, parece fazer sentido nenhum que homens e mulheres de origem e de cultura baniu alguma vez possam vir a ser lusófonos. Estamos, no mínimo, perante um equívoco, uma extrema aberração.