domingo, dezembro 12, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 12 de Dezembro, 2004

antes e depois

Luís David


algo está errado

Parece não existiram muitas dúvidas que a abstenção em processos eleitorais é, hoje e desde há muito tempo, um fenómeno à escala mundial. Universal. Um fenómeno que, diga-se, deixou de ser fenómeno para entrar, para fazer parte da normalidade. Embora a todos preocupe e todos os Estados democráticos, de uma forma geral, procurem meios para combater a abstenção. Sempre, repita-se, sempre tendo em atenção a relação custo/benefício. Isto é, que qualquer processo alternativo ao tradicional depósito do voto na urna não provoque aumento de custos. Esta é a posição divulgada, recentemente, pelo Instituto para a Democracia e Apoio Eleitoral (IDEA), um centro de investigação sediado em Estocolmo, na Suécia. Um sistema com resultados comprovados, segundo o IDEA, em relação a diversos países da Europa, tem sido o voto pelo correio. Que, em alguns casos está em fase experimental e noutros consolidado. Hoje, segundo a mesma fonte, cerca de quatro por cento dos votantes na Grã-Bretanha e 40 por cento da Finlândia votam pelo correio. Na Suécia, desde 1942, todos os cidadãos, sem aviso prévio, podem dirigir-se a um posto dos Correios e votar em impressos próprios para o efeito. Isto acontece, claramente, em países onde os Correios funcionam e onde a realidade é completamente diferente da nossa. Mas, independente de todas as considerações que se queiram fazer e admitir, serve para demonstrar que em Estados onde a democracia tem muitas e muitas décadas, o chamado fenómeno abstenção começou a ser combatido há mais de meio século.


Tem sido dito e repetido, com mais do que demasiada insistência, que a elevada percentagem de abstenção nas últimas eleições representa um aviso aos políticos. Uma ameaça aos futuros governantes. E, até se não com algum exagero, que quem vier a governar, por eleito, com tão reduzido número de votos, pouco ou nenhuma legitimidade terá para governar. São, obviamente, leituras possíveis, leituras respeitáveis, opiniões a não desconsiderar. Temos, no entanto, de aceitar que leitura diferente não deva ser rejeitada. Não deva ser recusada. Isto é, que uma leitura moçambicana de melhoria de vida e de mudança possa não ser, exactamente, aquela que outros tentam fazer. E que, talvez, é necessário admitir, terão dificuldade em comunicar. Comparar o último processo eleitoral com os anteriores, como, em alguns casos tem sido tentado, parece um processo arriscado. Por falta de contexto. As realidades sociais e económicas reinantes e dominantes em cada um dos momentos são completamente diferentes. E, aceitemos, os motivos que levaram a votar ontem podem não ser os mesmos que levaram a votar hoje, Assim como os motivos que levaram a votar ontem podem ser os mesmo que levaram a não votar hoje. Mas, convenhamos, em última análise, a questão principal parece não ser a do motivo pelo qual muitos não votaram. Mas a de criar novas e diferentes condições para que mais possam votar. Ou, e talvez seja o caso, como titulava o “Notícias”, na sua edição da última quinta-feira, uma questão de Simplificar o processo de votação. Caso assim seja, e parece que assim é, tudo o resto é um exercício inútil. Basta que estejamos todos de acordo no essencial. No fundamental. E que acordemos para a realidade de que o fenómeno das abstenções, em processos eleitorais democráticos, começou a ser estudado há mais de cinco décadas. E, se situações semelhantes ou idênticas se repetem em tão diferentes países não é, certamente, por o eleitor estar errado. Embora, concordemos, algo está errado.