domingo, julho 11, 2004

Publiado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 11 de Julho, 2004

antes e depois

Luís David


Cuidado


Já lá vão muitos anos, muitos mesmo, o número de funcionários era dois. Depois, passou a um. A capacidade e o espaço físico para atender o público consumidor foi reduzido. Em cinquenta por cento. Depois, alguém terá pensado que esta coisa de funcionário recebedor e consumidor poderem olhar-se de frente, não seria muito higiénico. Vai daí, terá imaginado que colocar um vidro entre ambos seria a fórmula ideal para evitar a passagem de bacilos. E, logo, cortar pela raiz qualquer hipótese de contaminação via oral. Só que, hoje, passados que são muitos anos, lá permanecem as ripas de madeira de pinho. Toscas e mal ajeitadas. O vidro, talvez por ser caro, nunca chegou a ser colocado. Também é de há muitos anos, a memória de as facturas apresentadas a pagamento receberem certificação mecânica. Depois, as máquinas avariaram, foram avariando. Em sua substituição, registou-se um recuo para o milénio anterior. Isso mesmo. Um ou uma funcionária diligente, mas, repetidamente, sonolentos e, por certo, muitas vezes cansados, lá vão manuscrevendo os recibos. Com a consequente perda de tempo para quem vai pagar. Trocos, isso é coisa que não existe. Quem leva dinheiro trocado paga e sai. Quem não leva, espera, em bicha, como nos tempos do racionamento, pelos trocados de alguém. Naturalmente, qualquer semelhança entre o que fica descrito e o que se passa nos postos de cobrança da empresa Águas de Moçambique é pura realidade. Daí, aqui chegados, as saudades que guardamos do tempo em que o engenheiro Miguel Alves dirigia a Empresa. Do tempo em que Empresa se escrevia com letra maiúscula.


Na sua edição de 6 do corrente mês, o jornal “Notícias” abre a primeira página com um texto a sete colunas (o máximo da largura) e título a cinco. E isto para nos informar que na cidade de Maputo, Condóminos assinam contratos com “Águas”. E, quantos assinaram? As primeiras linhas da prosa, presumivelmente encomendada e, como tal, paga, são esclarecedoras: Pelo menos dois condomínios da capital já formalizaram os seus contratos de fornecimento de água aos espaços comuns dos seus prédios junto à empresa Águas de Moçambique (AdeM). Que maravilha. Que pérola jornalística. Verdadeiramente digna de figurar no livro dos recordes da burrice e da estupidez. Não nos esqueçamos que estamos numa cidade com cerca de dois milhões de habitantes. E com muitas dezenas, talvez centenas, de edifícios que a APIE diz, sem conseguir provar, que são condomínios. Mas, não nos deixemos distrair. Um director da tal empresa, que por questão de respeito evito citar o nome, disse e o matutino faz-se eco: São condições indispensáveis para a celebração do contrato (...) uma factura antiga para a localização do cadastro, uma carta da APIE que formaliza a transferência de responsabilidades para o condomínio, uma carta da comissão de moradores e fotocópia autenticada da pessoa (sic) responsável pela assinatura. Ora, podendo parecer que estas exigências são exageradas, podem não o ser. Por certo, nem o são. É que fosse eu gestor da Águas de Maputo e, como tal, tivesse um vencimento mensal de muitos milhares de dólares norte-americanos, haveria de exigir muito mais. Para garantir que... Mesmo sem perceber nada de qualidade de água. Menos, ainda de gestão da empresa fornecedora do chamado “precioso líquido”. Haveria eu, como gestor e para minha defesa, de exigir que, para além do já dito, fosse obrigatório apresentar certidão de registo criminal, certificado de vacina contra a cólera, documento comprovativo de ter cortado as unhas dos pés e da vacina dos cães que, eventualmente, possa ter em casa. E, também, documento comprovativo de não ser portador de HIV/SIDA. A captação, a distribuição e venda de água é assunto demasiado sério. Para ser deixado ao critério de empresas estrangeiras. Geridas por interesses colonialistas. Cuidado.