sábado, novembro 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Novembro 13, 2005

antes e depois

Luís David

O combate ao crime organizado exige mais

Foram julgadas e condenadas, semana que passou, pelo Tribunal Judicial da Província de Sofala, duas mulheres que transportaram droga desde o Brasil até Moçambique. A uma, coube a pena de 18 anos de prisão. À outra, 16. Os seus nomes, para o caso, nada importa. Não é relevante. Muito provavelmente, não irá ficar na história dos traficantes de droga de, ou para, Moçambique. Muito menos, ainda, de uma qualquer rede de tráfico de droga a nível mundial. Pela simples razão de que eram, na gíria ou em linguagem chula, simples “pombos”. São pessoas que, a troco de determinada quantia monetária, transportaram droga entre dois países. São, pura e simplesmente, pessoas contratadas para transportar droga. E, pouco importa, tem importância pouca ou nenhuma, se a droga vinha nos intestinos ou no estômago, ou se vinha camuflada em peças de roupa intima. O que parece importante, e é, para o caso em análise, são alguns pequenos detalhes das notícias divulgadas, em diferentes órgãos de Informação. Curiosamente, muito semelhantes em termos de linguagem. Uma linguagem mais de comunicado policial do que jornalística. E, aqui, parece exemplar a passagem do texto onde se pode ler que o TPS condenou aquelas duas nacionais por tráfico de cocaína. Sobre quem enviou a droga e quem a devia receber, ficamos a saber, apenas, que as 38 cápsulas de cocaína (foram) entregues por um tal Mussa para um tal Emílio. E, é tudo, o que parece importante dizer, o que se entendeu ser importante dizer, quando se fala e se escreve sobre a condenação de traficantes de drogas pesadas.


Entendeu o Tribunal Judicial de Sofala condenar as duas mulheres em pesadas penas. Certamente, decidiu de acordo com a Lei. Outra coisa não é de admitir. A dúvida, porém, que se coloca como obrigatória de colocar, é se estas duas mulheres eram, efectivamente, traficantes. Se eram traficantes na verdadeira acepção do termo. Se, em termos jurídicos, devem e podem ser consideradas como traficantes. E, mais, se a sua condenação como traficantes serve ou não para proteger terceiras pessoas. Se a sua condenação pode ser mais do uma manobra para fazer desviar as atenções dos verdadeiros traficantes de droga. Ou, para a possível entrada de droga em Moçambique por vias alternativas. Se elas, se estas mulheres, agora condenadas a pesadas penas de prisão, foram mais do que isco para alguém poder mostrar trabalho no combate ao tráfico de droga. A não ser assim, impunha-se ter sido feito um trabalho de investigação mais demorado e mais profundo. Impunha-se, sobretudo, segundo as técnicas de investigação modernas e onde o combate ao crime organizado é assumido com seriedade, ter conseguido a colaboração destes “pombos”. Na denúncia, clara, de quem enviou e de quem era o destinatário da droga. Mesmo, e quando necessário, a troco de uma redução da pena. Ou, em alternativa, deixando estas mulheres fazer novas viagens e servirem de “toupeiras”. Na realidade, nada disto, nada assim foi feito. As duas mulheres foram condenadas e, perante a opinião pública, todos estamos de consciência tranquila. Muito embora estas condenações possam ter sido um mau serviço ao país. Sobretudo, como foram feitas e por falta de uma investigação profunda, um mau serviço no combate ao crime organizado. O combate ao crime organizado exige mais.