sábado, novembro 05, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 30, 2005

Luís David


Trata-se de um desafio

Um homem foi morto. Mais um homem foi brutalmente assassinado. E, o homem que desta vez foi assassinado, com um tiro no coração, à queima-roupa, era director da Cadeia Central de Maputo. Fosse ele homem de fino trato ou de trato grosseiro, pouco importa. No caso em análise. O que importa é que foi morto um, mais um homem que tinha por missão proteger a nossa segurança, as nossas vidas. Como simples cidadãos. O que importa é que foi assassinado um homem que, em vida, tinha por missão manter distante do cidadão comum e indefeso, o criminoso. Tenha ou não o director da Cadeia Central de Maputo sido avisado de que iria ser morto, em nada altera o facto de ter sido, efectivamente, assassinado. Porque o facto de ter sido morto, de ter sido assassinado, nas circunstâncias publicamente conhecidas, a única coisa que pode demonstrar é, efectivamente, onde está o poder. Quem manda em quem. Só pode ser um alerta, a todos nós. Uma chamada de atenção e uma advertência. Poderá ter sido. Poderá ser. Será, É. Mas, uma advertência séria. O que aconteceu, ontem, a este director de cadeia, pode acontecer, amanhã, a um chefe de Esquadra ou a um comandante de polícia. Ao mais alto nível. Provavelmente, a um general do exército. Com ou sem aviso.



Em os “Os senhores do Crime – As novas máfias contra a democracia”, o suíço Jean Ziegler, leva-nos a partilhar o seu trabalho de investigação sobre o crime organizado em diferentes países da Europa. No verso da capa do livro, pode ler-se: Estes novos “padrinhos” actuam sob disfarce. Vivem na sombra dispõem de “homens de mão” e usam nomes falsos: ninguém sabe quais são os seus nomes verdadeiros. Por vezes controlam o próprio poder político”. Das mais de 250 páginas escritas pelo investigador suíço e seus colaboradores, que não é possível resumir, parece importante reter a seguinte passagem (pag. 255): O crime organizado assemelha-se à Hidra, a serpente monstruosa de vária cabeças, da mitologia grega. Corta-se-lhe uma cabeça... e logo nascem outras duas. Para liquidar definitivamente o crime organizado, seria necessário utilizar os mesmos métodos que Hércules e Iolas utilizaram para matar a Hidra de Lerna: enquanto Hércules cortava as cabeças, Iolas aplicava nas feridas um ferro em brasa. Por outras palavras, o crime organizado só será vencido no dia em que a sociedade democrática ocidental recuperar os seus valores fundadores, o sentido de um destino colectivo e dos comportamentos comuns baseados na solidariedade e na justiça. Convenhamos que não é apenas com leis, com sentenças espectaculares, com cadeias, com polícias, por mais competentes e honestos que sejam, que se pode combater o crime organizado. Os senhores do crime avançam, ao que parece, num passo triunfante. A questão está em saber se estamos dispostos a mobilizar os valores que estão adormecidos na nossa memória e na nossa sociedade. E, na nossa cultura. Trata-se de um desafio.