sábado, novembro 26, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Dezembro 20, 2005


antes e depois

Luís David


um objectivo nacional

Desde há longos anos que esperamos, que aguardamos, que a Justiça nos dê mais do que aquilo que tem dado. Que tem vindo a dar. Aqui, falamos em Justiça como um todo. Assim, ao falar em Justiça, estamos a pensar, estamos a falar de um processo que começa na investigação e na detenção de supostos criminosos, passa pelo julgamento e termina no sistema de prisão, quando condenados. Mas, ao que parece, assim não é. De tal forma que, sempre que se anuncia mais um julgamento, o sentimento geral parece ser de expectativa. De esperar para ver. O mesmo parece acontecer quando se anunciam prisões relacionadas com diferentes e mediáticos crimes. Seja qual seja a sua natureza. Ora, o referido sentimento, a ser real e colectivo – e nada parece apontar para que o não seja – pode ser interpretado de várias formas. Das quais, parece primário reter duas. Ou seja, a Justiça está desacreditada perante o entender do cidadão. E, logo, o cidadão por não a entender não acredita nela, não acredita que se esteja a fazer justiça, sendo o mesmo que dizer que não acredita na Justiça. Outra hipótese, ou seja a segunda interpretação, é que a Justiça não o é, que a Justiça funciona mal, quando funciona, sendo de admitir que possa, muitas das vezes, sequer, funcionar.


Foi anunciado, passam poucos dias, terem sido detidos dois indivíduos suspeitos de terem assassinado o director da Cadeia Central da Machava. Os relatos jornalísticos, a serem verdadeiros – e nada permite duvidar que o não sejam – transportam-nos para uma outra realidade. Para uma complicada e complexa realidade de conivência e de cumplicidade. Entre quem está dentro e quem está fora da prisão. E, por incrível que possa parecer, como, na nossa realidade, estando na prisão se pode negociar, se pode pagar para sair da prisão. Pior. Que quando um director de cadeia – sempre a avaliar pelos referidos relatos públicos – tenta desmantelar as redes de criminosos, corre o riscos de ser sumariamente abatido a tiro. Esta parecer ser, esta é a realidade. Pouco importa, para o caso, se a rede criminosa começa, se tem a cabeça, o cérebro, na cadeia e se se ramifica, se se estende para o exterior. Ou se, em alternativa, tem a cabeça e o cérebro no exterior e se se ramifica para além dos portões da cadeia. O que conhecemos, o que sabemos – e talvez seja, até, perigoso saber mais do que é público – é que continua a acontecer a liquidação física, o assassinato, de directores de cadeias. Temos de admitir que, na nossa realidade actual, ser director de uma cadeia é ter a cabeça a prémio. E, também, que o combate ao crime organizado tem de ir muito para além de colocar pessoas sérias e honestas à frente das cadeias. Pessoas que, por destemidas, por ingénuas, não merecem ser deixadas como franco-atiradores. Sem uma retaguarda segura de protecção. Combater o crime organizado não é, nem pode ser, um processo, isolado, das polícias, dos tribunais, dos directores de cadeias. Tem de ser, obrigatoriamente, um objectivo nacional.