domingo, junho 19, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 19, 2005

Antes e depois

Luís david


é perigoso brincar com a história

Desde há alguns anos, vários historiadores e investigadores, consagrados, publicaram versões diferentes da história que era suposto ser a verdadeira. Vaclav Ravel escreveu a “Arena”, obra que bem poderá ser considerada como pioneira e de referência sobre a matéria e em que, fundamentalmente, faz uma comparação entre os crimes cometidos por Hitler e por Estaline. E, na sua versão, que encontra suporte em estudos posteriores, Estaline mandou matar muitos mais seres humanos do que Hitler. Devendo precisar-se, desde já, que estamos a falar numa escala de milhões e que estes dois grandes criminosos da história recente são responsáveis pelo desaparecimento físico de milhões de seres humanos. Depois, continuando a falar sobre livros, também surgiu “Os Dez Maiores Monstros da História”. Mais recentemente, em Fevereiro do corrente ano foi editado, em língua portuguesa, “Anatomia do Terror”, que tem como subtítulo “Uma história do Terrorismo” . Seu autor é Andrew Sinclair e, pelo verso da contra capa, ficamos a saber que vivemos numa época de terror. (...) Que nunca houve, desde o tempo de Homero à era de Ossana Bin Laden. Logo na abertura do livro, em página ainda sem numeração, o autor cita William Blake: Dizem que este mistério nunca acabará: O sacerdote fomenta a guerra, e o soldado a paz. Estamos perante uma análise profunda sobres as causas das guerras ao longo dos séculos. Fundamentalmente, das suas causas religiosas. É assim que, logo no capítulo 2, com o título “Os textos do terror religioso”, o autor escreve: Das três religiões fundamentais do Próximo Oriente, o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo, só os Judeus fundaram Israel devido a uma forma de genocídio. Moisés afirmou que o Senhor ordenara o aniquilamento e a submissão dos habitantes originais de Cannaã numa guerra santa. E, a seguir, cita que o que foi escrito no Deuteronómio. Parece não existirem muitas dúvidas, no momento presente, que as guerras actuais, todas as guerras dos tempos recentes, são guerras religiosas. São guerras santas. São guerras provocadas, em última análise, por interpretações fundamentalistas da Bíblia, do Corão e da Tora.


A história dos movimentos de libertação africanos é, terá sido, um percurso sinuoso e sangrento. Neste contexto, não é possível excluir ou diferenciar as realidades de, fundamentalmente, Guiné-Bissau, Angola, Moçambique. Porque sendo percursos históricos não simétricos são, todos eles, todos os três, percursos semelhantes. E, são semelhantes pela necessidade de afirmação nacionalista. Como podem não o ser pelas escolhas para essa afirmação. Do pensamento e da acção, situados no seu tempo histórico e num determinado espaço. Falamos de um Eduardo Mondlane, de um Amilcar Cabral, de um Agostinho Neto, de um Samora Machel. Sendo pouco, quase nenhuma, a investigação feita por moçambicanos nesta área, também aqui portugueses se anteciparam. Ana Cabrita publicou, pelo menos, duas obras sobre o tema. Que justificam uma leitura atenta. Enquanto nós, por cá, continuamos, ao que parece, a brincar com a história. E, temos alguma dificuldade em passar do diz-que-diz. Da intriga política de ocasião para o assumir da história. A história, todos o sabemos, não mata a fome, não enche barriga de quem tem fome. Mas, a história, quando volta a ser mal contada, ou contada numa versão que é difícil comprovar, pode alimentar ódios recalcados. Pode, sobretudo, acordar fantasmas que estavam adormecidos. Que estavam acomodados. Esta forma de tentar baralhar a história recente não passa de uma brincadeira. Mesmo quando todos sabemos, ou deveríamos saber, que é perigoso brincar com a história.