segunda-feira, outubro 10, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 9, 2005

antes e depois

Luís David


um fenómeno nacional difícil de entender

De verdade, nem sempre podemos dizer que a Natureza nos seja favorável. Porque não é. Porque muitas vezes não é. Fustiga-nos, agride-nos, maltrata-nos, com demasiada frequência. Secas hoje, inundações amanhã, ciclones e vendavais ao terceiro dia. Hoje, aqui ou além, a terra fica seca ou ressequida. Plantas, animais e homens não resistem. Sucumbem. Amanhã, chove em demasia. Plantas animais e homens são impotentes para enfrentar a força e a fúria das águas. Depois, os ventos que tudo varrem, tudo levam na sua frente. Tudo arrastam com a sua força destruidora. Guardamos, certamente, todos, ou muitos de nós, memórias recentes das consequências de uma e das outras situações. Memórias de dramas humanos. Memórias de sofrimento, de desespero, de dor. Memórias de ontem a que se sucedem imagens de hoje. Já de produção e de alento. Imagens de e da vontade de vencer. De se não entregar como vencido. Imagens dos frutos e com os frutos dessa vontade de vencer. Dos frutos de se não ter dado por vencido.



As imagens e as notícias de regiões onde os efeitos da seca podem ser, e muitas vezes são, dramáticos, também têm o seu oposto. E, o oposto, são as imagens e as notícias de regiões onde o incentivo à produção agrícola deu resultados positivos. Significativamente positivos. Mas, também aqui, com um outro senão. O de essa produção não estar a ser devidamente comercializada, não estar a ser encaminhada para os mercados consumidores. Com um aspecto agravante. Importamos, continuamos a autorizar a importação, de países vizinhos – e, em alguns casos, nem só de países vizinhos – conseguimos transportar de países vizinhos e de outros de mais de longe, o não conseguimos fazer transportar dentro de Moçambique. Conseguimos – assim parece ser a nossa realidade, resultado da nossa mentalidade – fazer o transporte de mercadorias entre o mar e o interior, entre o mar e os países vizinhos. Também entre os países vizinhos e o mar. Mas, temos dificuldades em transportar o nosso produto, o que produzimos no país, entre distritos, entre províncias, entre o norte e o sul. Naturalmente, é difícil entender esta continuada ausência de protecção ao produto, à produção nacional. Mais. É preocupante saber que a batata reno e o ananás, a batata doce e o tomate, a cebola e o pimento, para citar, apenas, exemplos primários, produzidos por agricultores moçambicanos correm o risco de apodrecer, ao sair da terra. Por falta de uma política de comercialização. Por falta de uma política de incentivo ao agricultor e, no geral, ao produtor nacional. Sobretudo, também, por falta de medidas restritivas a importações de produtos que, produzidos no país, com muito melhor qualidade, correm o risco de apodrecer antes de chegarem ao mercado mais próximo. Convenhamos, não estamos perante uma calamidade, não estamos perante um fenómeno natural que não possamos dominar. Estamos, isso sim, perante um fenómeno nacional difícil de entender.