domingo, julho 19, 2009

haja coragem para ouvir os vivos

O assustador número de mortes provocados por acidentes de viação, nas últimas semanas, já não pode deixar ninguém indiferente. De consciência tranquila. Possam e sejam diferentes as formas de interpretar as suas origens. Possam e sejam diferentes as formas para evitar a sua repetição. Responsáveis da Polícia de Trânsito e do INAV foram, semana que passou, assediados por rádios e televisões. Para darem as suas opiniões sobre o que se está a passar. Sobre o que se está a passar de errado. Se fosse forçoso resumir em poucas palavras o que foi ouvido, diríamos que falaram muito e disseram pouco. Ou, disseram nada. Pelo menos é a conclusão que se pode tirar de dois debates televisivos. Em que não se passou, em que não se foi além do discurso retórico. De uma desculpabilização das instituições. De tentativas, inúteis e canhestras, no sentido de tentar demonstrar que o que está legislado e regulamentado corresponde à prática. Mas, infelizmente, assim não acontece. E, como se sabe, de boas intenções e por melhores que sejam está o planeta repleto. E não é por isso, não é por assim ser que são reduzidas as mortes nas estradas moçambicanas. Há, já, bem claras, tentativas de escamotear a verdade sobre as causas das mortes. Por exemplo, em reunião realizada na cidade da Beira (“Notícias”, 15.07.09), em que se sabe terem participado, em círculo fechado, Polícia e INAV, terá sido concluído que há muita ignorância por parte das populações sobre as normas de estrada. Na referida reunião, terá, também, sido repetidamente falado em erro humano. Já no programa “Tudo às 10” da TVM (15.07.09), o representante da Polícia de Trânsito terá dito que estamos perante acidentes fora do vulgar. Disse, também, que o número de acidentes diminuiu mas que o número de mortes aumentou. O que não disse, como se esperava que dissesse, é o que se está a fazer para diminuir o número de acidentes e de mortes nas estradas. Qual é estratégia para evitar as mortes nas estradas nacionais . Salvo melhor opinião, não está a ser feito nada. Ou, se assim se preferir, em teoria muito, na prática nada. De resto, e não menos interessante, seria saber-se quem são os verdadeiros proprietários destas viaturas que tantas mortes causam. Muito provavelmente, serão, também agentes das polícias. E, por aí acima.


Na quarta-feira que passou, o Procurador Geral da República visitou a Enfermaria de Ortopedia do Hospital Central de Maputo (Telejornal da TVM). Onde metade dos pacientes internados foram vítimas de acidentes de viação. Augusto Paulino terá dito, na ocasião, que não se pode tolerar casos de acidentes de viação por condução em estado de embriagues, por falta de destreza ou por deficiência de formação por parte dos automobilistas. Ao que parece, as causas dos acidentes de viação, admitidas pelo PGR, diferem das apontadas por outras instituições. Mas, isso até pode ser irrelevante. O que parece importante, o que importa realçar, é que ele foi ouvir, pessoalmente, sobrevivos de acidentes de viação. Certamente, numa tentativa de perceber a origem do fenómeno. Ele foi ouvir pessoas que estão vivas e que podem ajudar, com as suas experiências, quase ao certo traumáticas, com as suas opiniões, no criar de condições para evitar mais mortes nas estradas. Mas que, curiosamente, ou por interesses pessoais e mesquinhos, nunca são chamadas a dar a sua opinião. Seja em debates públicos ou em reuniões tipo “pescadinha com o rabo na boca”. Como terá sido a referida realizada na cidade na Beira. Como muitas outras, em que a conclusão dos debates é que a culpa é sempre dos outros. Em homenagem aos mortos nos acidentes de viação, haja coragem para ouvir os vivos.