sábado, abril 15, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Março 19, 2006

antes e depois

Luís David


o país real não se afasta de nós


Fala-se e escreve-se muito sobre inflação. Defendem-se teorias, as mais diversas, sobre os benefícios e os malefícios de uma inflação baixa. Entre nós, inflação baixa foi elevada ao nível do mito. Como se, aqui como em qualquer outra parte do mundo, manter a inflação baixa pudesse ser sinónimo de boa governação. Não o é. Objectivamente, nunca o foi em parte alguma do mundo e nunca o poderá ser aqui. Tenhamos presente, à partida, que uma coisa é inflação baixa e outra coisa, por completo diferente, é inflação controlada. Controlar a inflação é, sem margem para qualquer para dúvida, bom. Muito bom. Manter a inflação pode não ter qualquer significado. Ou, em alternativa, pode significar, muito simplesmente, um travão ao desenvolvimento da economia. Tendo presente, e parece importante destacar este aspecto, que pode haver crescimento sem haver desenvolvimento. Neste contexto, Moçambique pode ser um caso paradigmático. Pode ser visto, pode ser apresentado como o exemplo de um país que apresentando um elevado nível de crescimento, tal nível, tal apregoada percentagem de crescimento, nada tem a ver, pouco tem a ver com crescimento. Pouco tem a ver com a melhoria do nível de vida das populações. E, aqui, parece residir o grande defeito da teoria neo-liberal. Da forma como a teoria neo-liberal tem vindo a ser executada em nós. Em Moçambique. Que é, muito simplesmente, a de não entender, de não aceitar, que qualquer reforma ou qualquer reajustamento estrutural, só faz sentido quando se caminha para que os pobres fiquem menos pobres. Quando se caminha para reduzir as ilhas de pobreza e não para as aumentar como tem sido, objectivamente, o caso moçambicano. Talvez não seja descabido concluir que a política económica moçambicana tem vindo a ser, nos últimos muitos anos, uma política de subserviência, uma política de submissão a interesses e a modelos externos. E que o modelo imposto e que, repetidamente, nos dizem ser bom, só poderá gerar dividendos para quem o impôs. Não passsamos ou, por outras palavras, não somos mais do que aquilo a que se chama uma economia obediente. Vencer a pobreza, como todos desejamos, implica eliminar falsos conceitos e falsas concepções de desenvolvimento económico. Implica ter coragem para provocar a ruptura. E ter coragem para mostrar que há alternativas.


Só muito recentemente se admitiu que, no ano passado, que a inflação ultrapassou os 14 por cento. Até então, nunca havia atingido os chamados dois dígitos. Como se isso tivesse alguma coisa a ver com que chega ou já não chega às nossas barrigas. Mas, mesmo que os ditos 14 por cento não passem de uma ilusão, de uma miragem, que sejam um número que peca por defeito, atentemos na realidade. Olhemos para a realidade dos nossos todos os dias. Atentemos na realidade dos preços do peixe e da carne, da farinha e do leite condensado, da energia eléctrica e da água. Dos transportes colectivos, também. Mas, se quisermos ser mais realistas, teremos de sair do centro das nossa cidades. Teremos de ir até onde começa o país real. E, não é necessário percorrer quilómetros muitos. Basta percorrer algumas dezenas, por estrada de alcatrão. Então, fica a saber-se quanto custa, hoje, uma pequena bacia de mandioca ou de batata doce, de citrinos ou de tomate. E, então, fica a perceber-se que custa quase o dobro do que custava há meia dúzia de meses atrás. E, é pegar ou largar. Não há espaço para discutir o preço. Não á desconto. Não vale a pena pedir para diminuir o preço. Este é, em definitivo, o país real. Este é o país que não consta nas estatísticas. Este é o país que foge à lógica da análise das teorias neo-liberais. Assim sendo, por muito que isso possa custar, sendo que posa não ser fácil deglutir, muitos de nós, talvez alguns de nós, estão a afastar-se do país real. Mesmo assim, talvez por isso mesmo, o país real não se afasta de nós.