domingo, fevereiro 20, 2011

O mundo em que somos obrigados a viver

A malária continua a ser uma das principais causas de morte em Moçambique. O facto, só por si, justifica o amplo e aturado trabalho de prevenção e investigação. Desde há vários anos realizado no país. Este último, muito especialmente na Manhiça. Mas, ao que parece, com poucos ou fracos resultados. Com resultados pouco animadores. Ou, por hipótese não totalmente descabida, não divulgados. Publicamente. Por a sua divulgação, também por hipótese, poder colidir com interesses económicos instalados. Com interesses económicos nacionais ou de multinacionais do sector farmacêutico. E, em última instância, afectar os seus lucros. Ir contra interesses monopolistas. Tanto no controlo do saber e do conhecimento. Como no da produção e comércio dos medicamentos. Também e fundamentalmente na questão dos preços de venda. Neste campo, como em muitos outros, não precisamos de importar nada. Absolutamente nada. Temos exemplo concreto dentro de portas. Exemplo, como parece ter passado correctamente político afirmar, “Made in Mozambique”. E, neste campo, exemplo acabado é o da fábrica de anti-retrovirais. Não da sua construção e funcionamento mas da sua não existência. Qual “milagre brasileiro”. Adiado. Por hipótese, definitivamente adiado. É que, neste em múltiplos campos não basta, não é suficiente querer. É preciso poder. É preciso poder para transformar o querer em realidade. Comprovadamente, não basta, já, falar em democracia. Falar em nome do povo, dos povos. Pode estar a acontecer que o actual modelo de democracia representativa esteja esgotado. E que as actuais revoltas populares em diferentes países sejam uma via para impor, mesmo que temporariamente e de forma violenta, um modelo de democracia participativa. O recente golpe palaciano, executado pelos militares egípcios, deveria, entre nós, merecer aquilo a que alguns se habituaram a chamar “estudo de caso”. E, o caso, aqui, foi um simples “putche”.


Voltemos ao princípio, regressemos ao início. Para falar da malária, essa doença endémica tão ou mais causadora de mortes que as crescentes revoltas populares. E, aqui chegado, não resisto a recorrer a José Saramago. E a reproduzir o que o português e Prémio Nobel da Literatura em 1998, escreveu (Cadernos de Lanzarote, Diário – IV, terceira edição, página 263): “Há tempos, Manuel Patarroyo, um biólogo colombiano, descobriu uma vacina contra a malária que, infelizmente, ainda não é possível encontrar no mercado. As razões? Ele mesmo as explica: [...] ‘Sem o pretender, achei-me confrontado com os poderes económicos anglo-saxónicos. A minha vacina custa 50 escudos para adultos e 25 para crianças, mas eles pretendem vendê-la a 12.500 escudos para os turistas e a pouco mais de 3 mil para o Exército. Insinuam-me que a vacina deveria ficar limitada aos turistas, deixando-se os negros de fora. Viajam ao Quénia, em cada ano, 20 milhões de turistas, e se no bilhete de cada um se passarem a incluir 100 dólares pela vacina, os lucros ficariam garantidos’. [...] Conclui José Saramago acreditar que “esta informação será bastante útil às pessoas que dizem ter dificuldade em compreender o mundo em que vivemos...”. Não me atrevo, como se apresenta lógico, substituir as reticências do autor e avançar qualquer conclusão. Adivinhar-lhe o pensamento no exacto momento da escrita. Digamos, apenas que este é o mundo em que vivemos. O mundo em que somos obrigados a viver.