sábado, janeiro 14, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Janeiro 8, 2006


antes e depois

Luís David


A ilusão de ter poder

O ano de 2006 aí está. Para quem a ele conseguiu chegar. Evidentemente. Depois de uma festa mais ou menos barulhenta. Fenómeno, ao que parece, universal. Mas, o assinalar da chegada de um novo ano, a entrada num novo ano, não mais do que o fechar de um ciclo. E o abrir de outro. E, como convém, é uma festa rodeada de algum misticismo. Encerra, em si própria, o mito do tempo. Porque, coisa diferente é a contagem do tempo, a divisão do tempo. Que começa por ser matéria de consenso e de convenção. Ora, esta passagem de um ano para outro, este avançar no tempo, criou o mito da pausa, do interregno. Do tempo sem tempo. Do tempo para fazer balanço. Acontece, porém, que não existe presente. Existe, isso sim, passado e futuro. E, o que explica a nossa existência é, sempre, o antes e o depois. Mesmo sabendo que assim é, mesmo sabendo que o tempo não pára, gostamos de dividir em bom e mau o que se passou antes. E, a partir daí, numa perspectiva pessoal ou colegial, classificar acontecimentos e homens em bons e maus. Mesmo sabendo que bom e mau, que bem e mal não existem. Pelo menos, não existem em absoluto. Mesmo sabendo que o que é mau para mim, pode ser bom para outro.


A grande incógnita, a incógnita que colocamos sempre, a nós próprios e aos outros, é a de saber o que nos reserva o ano que começa. Sem podermos prever, menos ainda adivinhar, expressamos desejos. Fazemos votos. Especulamos. Alimentamos, de novo, o mito. Começamos por desejar que tudo o que possa acontecer de bom nos aconteça a nós. E que tudo o que possa acontecer de mau aconteça longe de nós, aconteça a outros. Nem nos damos conta como é grande, afinal, a maldade humana. Digamos mesmo, a crueldade humana. Nem nos damos conta, afinal, que pensando e desejando desta forma estamos a fomentar uma divisão e uma separação artificial entre bom e mau, entre bem e mal. Que podemos estar a fomentar guerras entre países, entre nações, entre regiões, entre vizinhos. Mas é, ao que parece, esta a forma, encontrada por alguns, por uns tantos, para defenderem o conceito de inferioridade e de superioridade. Digamos, o mito da inferioridade e da superioridade. Desta forma, por esta forma, cria-se, também, a ilusão de poder comandar a história. E o mundo. E de o mundo poder continuar, indefinidamente, por todo o tempo, dividido entre senhores e escravos. Sendo os senhores eternamente os mesmo. Sendo os escravos eternamente os mesmo. Ao que parece, algo de diferente já está a acontecer. O que pode significar que o poder está a deslocar-se, que o poder absoluto não resiste ao tempo, que não passa de um mito. Mais, que o poder absoluto é, apenas, uma ilusão. A ilusão de ter poder.