domingo, janeiro 25, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo
18 de Janeiro 2004

antes e depois

Luís David

a mentira tem campo aberto



Mais do que simples suspeita, o assassinato de crianças para extracção de órgãos parece confirmado. Órgãos que são, ou terão sido, objecto de tráfico internacional. Em Nampula, há dois estrangeiros, que, depois de detidos, estão em liberdade condicional. Acusados da prática do macabro negócios. Em Manica, três moçambicanos estão presos. Acusados de igual crime. Quem confirma a situação dos cinco, é o Procurador Geral da República. Em pessoa e publicamente. Mas, o assunto há muito ultrapassou as fronteiras moçambicanas. Foi e é tema de destaque em órgãos de Informação de diferentes países. Esta semana, chegou, mesmo, ao Parlamento Europeu. Aí levado por um deputado português. Simples cabala, manobra política para denegrir o país Moçambique, ou honesta preocupação para esclarecer uma situação que, a todos, deveria preocupar? Fica a dúvida. Muito embora a última pareça a hipótese mais aceitável. Mais credível.


Registemos que, cá, entre nós, a questão do hipotético tráfico de órgãos de crianças tem merecido pouca atenção. A nível da Informação, salvo honrosas excepções, pouco terá sido dito. Pouco terá sido investigado. E, gostem ou não os jornalistas de hoje, há casos semelhantes, idênticos, noticiados, tornados públicos, passam mais de vinte e cinco, trinta anos. Os contornos dos factos relatados nesse então, eram, em tudo, idênticos aos de hoje. A grande diferença está em que, nesses anos idos, se partia para a investigação com a mais completa neutralidade. Mas, com a certeza de que se estava a caminhar num terreno movediço. Com a convicção, assumida, de que a mitos e ritos poucos são os que tem acesso. Enquanto, hoje, não só não se investiga coisa nenhuma, como se comenta sobre o que não se conhece. Ou, conhece mal. Vá lá a gente procurar saber porquê. Ninguém diz, ninguém quer dizer. Então, sendo, como parece ser, provado, que há crianças que foram mortas para lhes extraírem órgãos, qual o motivo porque se tenta, insistentemente, tentar provar que tudo não passa de um cabala. De um conflito pessoal. De uma mentira. De uma questão intestinal. Indo mais além, de um conflito racial ou, se assim se quiser colocar a questão, étnico-religioso. Aparentemente, estamos a ir longe demais por falta de coragem. Está a faltar a coragem para fazer investigação e aceitar os resultados da investigação. Enquanto tal não acontecer, a mentira tem campo aberto.