domingo, março 14, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo
14 de Março 2004

antes e depois

Luís David



Demitam-se


Terá acontecido nas vésperas do Natal de 2003. Aconteceu mesmo. Na realidade, aconteceu. Um prédio, em plena fase de construção, ruiu. Aconteceu na cidade de Maputo, na zona quase central da capital do país. Deveria ter cinco andares e destinava-se à habitação. Quer dizer, caso não tivesse ruído na fase de construção, como aconteceu, poderia ter acontecido bem pior. E, bem pior, teria sido desabar quando já tivesse sido habitado por algumas dezenas de famílias. Porque desabar, haveria sempre de desabar. A questão não está em saber quanto tempo – dias, meses – que seria necessário para desabar. A questão é inversa. Está em saber quando tempo aquela construção (?) poderia manter-se de pé. Não tinha, como a todos foi possível ver, no pós desmoronamento, um mínimo de condições para vir a ser habitação de seres vivos. Evito, com algum propósito e mais razão, dizer de seres humanos. Mas, como o fenómeno de desmoronamento de um prédio destinado a habitação era algo de inédito em Moçambique, pareceu por bem, a alguns, tentar colher dividendos do acontecimento. Aproveitar-se do espectáculo que é a televisão. Afinal, até só houve uma morte. A morte de um guarda. E, convenhamos, a morte de um guarda pouco conta. Sequer conta para a história. Então convinha, como aconteceu, fazer espectáculo. Dizer que já tinha sido nomeada uma comissão de inquérito. Para averiguar. Para averiguar o quê, ainda hoje ninguém sabe.


Passados que são cerca de três meses sobre o início da sua nomeação, a referida, a então criada comissão de inquérito, continua a ter nada a dizer. Ou diz, simplesmente, que o processo é complicado, que está a fazer estudos e análises laboratoriais. Blá, blá, blá. Mais ou menos assim. Para tentar adormecer quem gosta de dormir em serviço. Todos sabemos, é público, que a construção que ruiu havia sido objecto de embargo. E de desembargo, ao que se sabe, por ter sido divulgado na ocasião, por processos menos claros. De desembargo conseguido, muito possivelmente, por artes corruptas. Como por processo menos transparentes terá sido feita a concessão do terreno. Como todos sabemos, também, que não é legal a auto-construção para edifícios que não sejam moradias, para construções de habitação própria. Sabemos, ainda, todos sabemos, sabem os engenheiros deste país, melhor do que ninguém, que o engenheiro que está à frente da dita comissão de inquérito é um engenheiro com créditos firmados. Que é um engenheiro competente e idóneo. Principalmente na área de obras públicas. Por isso mesmo, terá sido nomeado pela recém criada Ordem de que é membro. Ordem que, ao que parece, começa mal a sua actividade, Ordem que começa mal quando é chamada a dar parecer técnico. Puramente técnico. Ao que parece, até prova em contrário, na Ordem dos Engenheiros também há quem tenha medo da verdade. Porquê? Será que verdade também incomoda os engenheiros moçambicanos? Se assim é, se assim for, resta-lhes uma única solução: Demitam-se.