sábado, março 06, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo
6 de Março 2004

antes e depois

Luís David


Para ver se dizem menos disparates



Há, efectivamente, várias formas de fazer jornalismo. De estar no jornalismo. De entre essas tantas, uma passa pela investigação, pela pesquisa. Por fazer aquilo a que costuma chamar-se de trabalho de campo. Outra, menos trabalhosa mas menos aliciante, é a do jornalismo preguiçoso. Do jornalismo papagaio. O patrão diz e o papagaio repete, com inaudita fidelidade, o que lhe ordenam dizer. É só perorar. Depois recebe a gorjeta, recebe ração melhorada. E, esta forma de jornalismo, esta forma de estar no jornalismo, parece estar a conquistar alguns adeptos entre nós. É um jornalismo que, como alguém já reconheceu publicamente, foi muito praticado na União Soviética no tempo do Estalinismo. Mas, não só. Também o foi na Alemanha de Hitler. E, por aí em diante. Mesmo hoje, não é difícil de encontrar adeptos desta forma de jornalismo. Não é difícil encontrar quem nada tendo investigado negue as conclusões a que chegou quem se deu ao trabalho de investigar. E, para quê? Para tentar fazer passar os seus desejos por realidade, para tentar transformar o dogma em verdade. Porque à boa maneira de Estaline e de Hitler, acredita que uma mentira muitas vezes repetida pode transformar-se em verdade. Cai, porém, em erro larvar quem assim hoje pensa. Porque nada é, ou volta a ser como foi.

A denúncia de tráfico de órgãos humanos e de crianças na província de Nampula continua a ser notícia. Não só aqui, não só em Moçambique, como em diversos outros países. Acredita-se que não fumo sem fogo. Que não pode haver fumo sem fogo. Mesmo quando os resultados da investigação oficial são tudo menos conclusivos. Mesmo quando esse resultados procurem ser mais tranquilizadores do que realistas. E, talvez por isso, ou em função disso, aí está um comunicado dos religiosos daquela província. Um documento extenso e preocupante que deve merecer a atenção de quem tem por dever procurar a verdade. Um documento com factos, datas e nomes. Um documento que tem a validade que tem. Mas que não pode, de forma nenhuma, ser ignorado. Sobretudo, que não nos permite afirmar que não há vítimas, que não há nomes de vítimas. Que tudo isto de tráfico de órgãos humanos não passa de uma cabala. Como continua a afirmar o papagaio de serviço. A quem foi prometida ração melhorada. Felizmente que o papagaio não sabe ler. Acaso soubesse, a esta hora estaria mudo de vergonha. Por só saber repetir, insistentemente, disparates. Mas, também e principalmente por não saber ler. De facto, a solução parece estar em ensinar os papagaios a ler. Para ver se dizem menos disparates.