quarta-feira, fevereiro 09, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 6 de Fevereiro, 2005

antes e depois

Luís David


uma visão deturpada da história colonial


Entre outros muitos convidados, a cerimónia de investidura de Armando Guebuza contou com a presença de Jorge Sampaio. Ora, Jorge Sampaio é Presidente da República Portuguesa e é com Portugal que Moçambique tem vindo a negociar aquilo a que se convencionou chamar de “dossier Cahora Bassa”. Sabia Jorge Sampaio, como sabíamos todos nós, que esta seria uma questão que a Informação lhe iria colocar. Quanto mais não fosse pelo facto de Joaquim Chissano ter manifestado, publicamente, o seu desejo de ver o assunto encerrado antes de terminar o seu mandato. Não o conseguiu. E, só por isso, só por não o ter conseguido, era motivo mais do que suficiente para confrontar Jorge Sampaio com a questão. O que aconteceu e que mereceu como resposta que “A bola está do lado moçambicano”. Ora, sem dúvida, a frase é bonita, pode ter algum efeito mediático mas vale por não acrescentar absolutamente nada para a resolução do problema. Além de que sendo bonita pode, muito bem, não reflectir, exactamente a verdade. E, depois, se a bola está do lado de cá, pode ser atirada para fora do campo. Mas o campo também fica cá. A maioria dos adeptos são de cá. E, os adeptos de cá podem, muito bem, não desejar ver continuado o jogo com esta bola. Por considerarem que não possui as características aprovadas internacionalmente para jogos de tamanha envergadura. Podem considerar, e tem todo o direito de assim considerar, que a bola está viciada. Neste caso, é necessário procurar nova bola. Mas, concluamos, para que se possa procurar segunda bola, é necessário que tenha havido uma primeira. Que nunca, ao que parece, alguém alguma vez viu. Ora, se ninguém viu bola alguma, a bola não existe. E, por exclusão de partes, se a bola não existe a bola não pode estar do lado moçambicano. A bola é, assim, e coisa outra jamais poderá ser, produto de imaginação. Por hipótese, sonho.


Para se compreender os objectivos que levaram à construção de Cahora Bassa, temos de nos saber situar no tempo. Temos de compreender, minimamente, a geo-estratégia definida para esta sub-região da região austral de África. Assim, recuando no tempo, e de forma muito resumida, os colonos brancos haviam declarado a independência unilateral da Rodésia do Sul. A África do Sul era governada por um regime branco minoritário. O Malawi, governado por Banda, aliado de Portugal, ambicionava acesso directo ao mar, através do Porto de Nacala. Salazar, juntamente com os radicais do sistema, alguns anos antes da queda que lhe viria a determinar a morte, terá pensado, mas mal e erradamente, que a construção da barragem seria a forma de evitar o avanço da guerrilha da FRELIMO para sul. E, assim, e com a fixação de um milhão de colonos portugueses no Vale do Zambeze, manter a presença colonial portuguesa nesta sub-região de África e a continuidade dos regimes minoritários da época. A Barragem de Cahora Bassa era, na sua essência e na época, um projecto que visava perpetuar o colonialismo e retardar a independência de Moçambique. Na sua essência, enquadrava-se na estratégia militar do megalómano Kaúlza de Arriaga. Pouco ou em nada estava previsto que daí viesse a beneficiar o moçambicano. Mais recentemente, a destruição de mais de 500 torres de transporte de energia para a África do Sul contou, e disso não há dúvidas, com o apoio dado à RENAMO por Governos de Portugal. Postos estes dados, e muitos outros que podem ser postos, em cima da mesa, parece haver alguma desonestidade política quando se afirma que “A bola está do lado moçambicano”. Mas, para não ter de se chegar a uma posição tão extrema, deve, no mínimo, dizer-se que Jorge Sampaio tem uma visão deturpada da história colonial.