domingo, janeiro 30, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de 30 de Janeiro, 2005

antes e depois

Luís David

Basta não ter medo de enfrentar a verdade

Parece estar a haver, nos últimos tempos, um redobrado interesse, por parte de investigadores portugueses, sobre a forma de actuação do colonialismo português em África nas últimas décadas que antecederam a sua derrocada. O seu colapso. Na generalidade, são teses de doutoramento ou textos elaborados e adaptados, para livro, a partir das mesmas. O último dos três que me chegou, tem por título “A Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique”. É uma obra da autoria de Pedro Ramos Brandão, cientista e mestre em várias áreas. Que, na introdução, nos adverte que este livro foi objecto de um acordo de edição entre a Editorial Noticias e o Arquivo Histórico de Moçambique, em que foi previamente acordado o tamanho da obra. Quer dizer, para além do que o leitor pode encontrar nas cerca de 250 páginas, muito ficou por escrever. Como ficou a promessa de mais ser escrito sobre o que aconteceu em Moçambique entre 1930 e 1974, e a forma como Portugal lidou com a sua presença em Moçambique. Não sendo possível resumir, em poucas linhas, o conteúdo da obra, parece suficiente deixar claro que são colocadas em confronto as posições defendidas, na época e no espírito do Concílio Vaticano II, por D. Sebastião Soares de Resende, primeiro Bispo da Beira, por D. Manuel Vieira Pinto, Bispo de Nampula e pelos Padres de Burgos e do Macúti, e, por outro lado, do Estado Novo, de Salazar, dos radicais do regime e do Arcebispo de Lourenço Marques, D. Custódio Alvim Pereira que, como está comprovado, participou, pessoalmente, em interrogatórios feitos pela PIDE a nacionalistas moçambicanos.


Tenho para mim, que “A Igreja Católica e o Estado Novo em Moçambique” é um livro inacabado. Um trabalho que necessita ir muito mais além. Muito mais longe. E, escrevo-o sem receio de desmentido. Por, pelo menos, duas razões óbvias. A primeira, é a da limitação de espaço imposta ao autor sobre a obra em referência. A segunda, mas talvez também não última nem definitiva, é a de D. Sebastião Soares de Resende ter deixado um “Diário” com cerca de 12.000 páginas. Até ao momento, praticamente inédito. Que está em poder de José Capela, autor do prefácio da obra em apreço. Mas, também ele estudioso e autor de muitas obras sobre a realidade moçambicana, a mais conhecida das quais poderá ser “Vinho para Preto”. Ora, José Capela não é mais do que o pseudónimo literário do dr. José Soares Martins, sobrinho de D. Sebastião Soares de Resende e que com ele viveu, muitos anos, na Diocese de Beira. Creio que, para as gerações moçambicanas futuras, o conhecimento deste passado recente, de poucas décadas, deve ser considerado importante. Deve constituir, também, referência para saber entender o presente e projectar o futuro. A perda ou o deixar cair no esquecimento tão valioso património, pode representar uma perda definitiva de importantes fontes de informação sobre as formas de actuação do colonialismo em Moçambique. Creio não ser de todo impossível estabelecer plataformas de trabalho, de investigação, entre moçambicanos e portugueses para que possam vir a ser melhor conhecidos os processos e os métodos de colonização no último meio século. Sobretudo, para que se possa ficar a saber quem foi quem. Quem esteve do lado dos opressores e quem esteve do lado dos oprimidos. Parece fácil. E é. Basta não ter medo de enfrentar a verdade.