domingo, janeiro 02, 2005

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de 2 de Janeiro, 2005


antes e depois

Luís David


quem manda é a Mãe Natureza

Acabámos de entrar no ano de 2005. Temos poucas horas, ainda, de 2005. E, o ano que vem, o Ano Novo é, sempre e tradicionalmente, um ano de esperança. Todos os anos que começam são anos de esperança. Como todos os anos que terminam são, na generalidade, anos de desesperança. O Ano Novo é, sempre, na nossa crença, o Ano Bom como o ano velho é o ano mau. Vivemos o mito, deixamo-nos enredar no misticismo. Aproveitamos os últimos momentos de cada ano para deitar fora, para deitar no lixo, tudo o que nos pareça velho e inútil. Tudo o que nos pareça ser lixo. Inutilidade. E fazemo-lo, por vezes, com desastrada e com desastrosa sonoridade. Está por investigar, ou talvez não, o motivo pelo qual a passagem de um ano para outro deva ser assinalada de forma barulhenta. Em muitos casos, uma barulheira esquizofrénica e patológica. Se é que barulho, rebentamento de petardos ou disparos de armas de fogo significa alegria, ainda ninguém tentou provar que assim é.


A quadra dita festiva, e que antecedeu a entrada no Novo Ano, em Moçambique, ficou marcada de forma algo dramática. Elevado número de acidentes de viação provocaram algumas dezenas de mortes. Muitas foram as famílias que, em vez de festa, tiveram luto. Na nossa zona marinha, na zona do Oceano Índico, a que pertencemos e de que somo parte integrante, a destruição, a morte e o luto ocuparam o tempo e o espaço da festa programada e desejada. A dor e o luto ocuparam o espaço da anunciada ruidosa festa. Não terá havido fogo de artifício. Nem tempo para o erguer da taça de champanhe ao bater das doze badaladas. Mais de cem mil mortos, dezenas de milhar de desaparecidos, milhões de deslocados é um cenário, aparentemente, irrealista. Mas é, sem dúvida a realidade. E a realidade é, também e sobretudo, muito para além daquilo que as câmaras de televisão nos mostram, aquilo que não mostram. Porque o que mostram, repetitivamente, são turistas desesperados E, aquilo que não mostram é, sobretudo, o destino dos muitos milhares de mortos, dos mortos que haverão de ter, por falta de identificação, como destino último, a vala comum. Quando para isso houver espaço. E, estes, em termos de história, nunca serão mais do que um número. Um número impreciso, pouco fiável e de pouco significado. Este maremoto, esta catástrofe que se abateu sobre a nossa região, parece querer dizer que, afinal, os homens continuam com pouco poder para determinar e gerir os destinos da Humanidade e do Planeta Terra. Parece querer dizer que quem manda é a Mãe Natureza.