segunda-feira, outubro 16, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 8, 2006

antes e depois

Luís David


libertar Cahora Bassa dos colonialistas


No fecho dos seus serviços noticiosos, está a TVM a apresentar pequenos excertos de intervenções públicas de Samora Machel. Intervenções feitas nos mais diversos contextos, ao longo do tempo, e que surgem, agora, por ocasião da passagem dos vinte anos da sua morte. Foi assim que, num destes últimos dias, vimos e ouvimos Samora Machel a falar em Lisboa. Aquando da sua primeira visita a Portugal. Era, na altura, Presidente da antiga potência colonizadora o General Ramalho Eanes. Ao que a memória nos recorda, o único Presidente de Portugal que visitou, até hoje, Moçambique independente. E que teve uma recepção apoteótica. Curiosamente, ou talvez não, constituiu tema de conversa de Samora com jornalistas portugueses, em Lisboa, nessa sua visita, a situação de Cahora Bassa. Defendeu Samora, como parece óbvio que o tenha feito, a reversão da barragem para a posse de Moçambique. E, explicou, na ocasião, de forma didáctica e pedagógica, os motivos pelos quais os prejuízos acumulados por Portugal com a gestão de Cahora Bassa eram da inteira responsabilidade de Portugal. Explicou, detalhou, também, os motivos pelos quais não cabia a Moçambique qualquer responsabilidade pelo facto de a energia produzida em Cahora Bassa não estar a chegar, não poder estar a ser vendida, aos seus potenciais compradores. Se os jornalistas que conversaram, nesse dia, com Samora Machel entenderam ou não a sua mensagem, é uma incógnita. Que o Governo de Portugal não entendeu a mensagem, é uma realidade. Foi uma realidade há mais de vinte anos, como a é hoje.


Não tem, obviamente, este breve apontamento por objectivo falar de Samora Machel. Tem, isso sim, mostrar, talvez demonstrar sem dificuldades nenhuma, que a reversão de Cahora Bassa para Moçambique é uma questão de interesse nacional, é uma questão de soberania, é uma questão de Estado, que, desde sempre, tem vindo a ser colocada. Que é colocada desde 25 de Junho de 1975. Nunca terá sido, ao que se sabe, e muito pelo contrário, diferente a posição de Joaquim Chissano enquanto Chefe do Estado. Não o é, igualmente, o posicionamento de Armando Guebuza, como actual Presidente da República. Para resumir e concluir, podemos afirmar que, nestas últimas três décadas, tem sido manifesto o empenho de Moçambique em fazer reverter para a sua soberania a mais colossal obra, talvez o símbolo último, do colonialismo português em terras africanas. Também, e porque não, da ditadura e do fascismo português. O estranho, o mais estranho, é que, hoje, homens que se dizem democratas e socialistas, que tem o poder que pensam ter, comunguem e estejam perfilados ao lado de António de Oliveira Salazar e de Marcelo Caetano. Como o tem estado, aliás, durante estas últimas três décadas. E como, estoicamente, lutam por permanecer, por continuar em estar. E que pretendem, como é público, continuar a ditar ordens para as antigas colónias a partir do Terreiro do Paço, em Lisboa. Sabemos todos, que aqui aportaram, nestas terras índicas, em tempos coloniais republicanos, Américo Tomás e Marcelo Caetano. Depois, derrubado que foi o colonialismo, apenas um Presidente veio. Ramalho Eanes. Fica, naturalmente, e por direito próprio, neste espaço, uma palavra em memória de Sá Carneiro. Pelo que fez e pelo muito que poderia ter feito no que respeita à normalização das relações entre os dois países. Entre os dois Estados. Sem recalques nem complexos racistas. Depois, hoje, agora, parece só restar que Cavaco Silva esteja na disposição de redimir os erros dos seus antecessores. Os erros de um passado recente. E, talvez, até, voltar a visitar Moçambique. Para, definitivamente, libertar Cahora Bassa dos colonialistas.