segunda-feira, outubro 16, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Outubro 1, 2006

antes e depois

Luís David


o retorno à “política da canhoeira”


Há, naturalmente, diferentes formas, diferentes maneiras de estar na vida. Como na política. Uma, é ser sério e honesto, respeitador e cumpridor das normas e das regras que regulam as relações entre os homens e entre os homens e a sociedade. No seu todo. Em resumo, cumprir com os compromissos assumidos, quer sejam escritos ou verbais. Como se entende, muito do que coloca para um bom entendimento e um bom relacionamento entre cidadãos, é válido para um bom entendimento e um bom relacionamento entre Estados. Entre homens que representam Estados. Entre homens que têm poder para assinar compromissos entre Estados, compromissos que comprometem e obrigam Estados. Ora, a outra forma de estar na vida como na política, entre várias formas possíveis, situa-se no campo inverso. Logo, significa não ser sério nem honesto, não ser respeitador das normas e das regras que regulam as relações entre os homens e entre os homens e a sociedade. Também, não cumprir com compromissos assumidos, quer sejam escritos ou verbais. Quer dizer, não respeitar nada nem ninguém. Impor a sua vontade recorrendo, se para tanto for necessário ao subterfúgio, quando não à mentira. Para, repita-se, não cumprir com a palavra dada. Ora, se esta atitude, se este tipo de comportamento é mau no relacionamento entre homens, dentro de uma determinada sociedade, parece pior no relacionamento entre Estados. Em tempo não muito distantes, mas durante décadas, talvez séculos, a esta forma de impor a vontade de um à vontade do outro, houve quem chamasse de “política da canhoeira”. Em nada fica mal recordar o passado histórico, para entender o presente e ponderar o futuro.


A posição do actual Governo de Portugal, sobre o entendimento a que chegou com o Governo de Moçambique, relativamente a Cahora Bassa é, no mínimo, uma posição que causa muitas preocupações. De facto, é verdade, nunca nenhum anterior Governo de Portugal assinou o que quer que fosse. E, não tendo assinado assumiu compromisso nenhum. Mas, este Governo assinou. E, ao assinar assumiu um compromisso. E, um compromisso entre Estados. Não estamos, como todos sabemos, a falar de compromissos assinados em décadas passadas. Entre outros Governos que representavam os mesmos Estados. Estamos a falar de compromissos assinados a 2 de Novembro de 2005. Ao mais alto nível. Entre governantes, de um e de outro Estado, que estavam e permanecem no poder. Ora, hoje, quase um ano após, quase um ano depois de assumido o compromisso, por escrito, uma das partes utiliza os mais patéticos subterfúgios para não cumprir aquilo que assumiu como sendo seu dever, como dever próprio, cumprir. Mas, esta falta de seriedade, esta falta de honestidade, parece ir mais longe, Vai, mesmo mais longe. É que, até ao momento, estão por explicar os motivos que levaram o Primeiro-Ministro de Portugal a não se ter encontrado com o Presidente da República de Moçambique. Na cidade de Nova Iorque. Por ocasião da Assembleia Geral da ONU. Admitamos que não foi por falta de respeito. Motivos ponderosos e, certamente, de Estado, terão sido soberanos na decisão. A questão está em saber quais, que conclusões tirar deste desencontro e que consequências daí poderão resultar. Para as relações entre os dois Estados. Por certo, ninguém de bom senso admite que se esteja perante o retorno à “política da canhoeira”.