domingo, agosto 05, 2007

Explosivos não se transportam como batata ou tomate

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Agosto 5, 2007

antes e depois

Luís David

É bem provável que os anos de sacrifício consentidos para conquistar a independência, tenha marcado muitos homens e mulheres. De forma profunda e para todo o tempo das suas vidas. Depois, a guerra chamadas dos 16 anos, poderá ter deixado outros e outras, quando não os mesmos e as mesmas, insensíveis à morte. Ou ao risco e à aventura de viver. Porque viver sob permanente ameaça de morte é, de facto, um risco e uma aventura. Mais. O contacto diário com a morte, embora de outros, pode imunizar muitos perante a morte. O perigo da morte. Pode, até, retirar significado e sentido ao conceito de morte. Em último caso, pode travestir ou ter travestido o sentido de morte. Nos mais diversos planos e aos mais diferentes níveis. Desde o ético ao moral, passando pelo religioso. Do mítico ao psicológico. Do colectivo ao pessoal. Morrer e ver morrer, sofrer para morrer e ver sofrer para morrer, deixa de ser excepção. Condenável. Poderá ter passado a ser, poderá ter sido, em diferentes momentos e em diversos locais, simples regra. Em muitas circunstâncias e de forma consciente ou resíduo do subconsciente, a morte poderá ter deixado de ter valor. Ou, melhor, a vida. A vida poderá ter deixado de ter valor, perante a banalização da morte.


As explosões no Paiol de Malhazine, provocaram o número de mortes, de feridos e de estropiados que todos conhecemos. A destruição de engenhos que não haviam explodido, provocou mais mortes na Moamba. Fala-se, repete-se, tratar-se de explosivos obsoletos. Como se o facto de serem obsoletos, por si só, signifique não estarem activos. Não poderem explodir a qualquer momento. Como aconteceu, mais recentemente, na Base Aérea de Mavalane. Ora, sendo de excluir, à partida, ter sido uma acto suicida, parece pertinente colocar algumas questões. A primeira, é o motivo pelo qual a viatura não terá sido abastecida antes de ser carregada com os explosivos. A segunda, é o motivo pelo qual o transporte não foi feito durante a noite. Com uma temperatura mais baixa e menor movimento nas estradas. A terceira, é se, de facto, o responsável pela operação de destruição dos engenhos, ditos obsoletos, seguia ou não noutra viatura a acompanhar as que transportavam as dez toneladas de material a destruir. Claramente, como cidadãos, conforta-nos pouco saber que se está a trabalhar nas condições possíveis. Aliás, preocupa-nos demasiado O transporte e destruição de material explosivo exige e impõe que se trabalhe nas condições ideais. Nunca nas possíveis. E, digamo-lo claramente, esse é um dever e uma obrigação do Estado. Se agora, se esta explosão de uma viatura no Aeroporto de Mavalane custou meia dúzia de feridos, é preciso evitar que possa haver outra que venha a provocar mais feridos e mais mortes. Para tanto, é obrigação transformar aquilo que, de maneira alegórica, se define como condições possíveis em condições totais de segurança. Para o cidadão. Explosivos não se transportam como batata ou tomate.