domingo, março 15, 2009

Coitadas das mil crianças moçambicanas

Orgulham-se os portugueses de uma recente sua invenção. A que deram o nome de “Magalhães”. Talvez, por motivos que não vem aqui ao caso aprofundar, seja mais correcto dizer alcunha. De qualquer forma e para todos os efeitos, Magalhães passou, assim, a ser nome de computador. Ao que parece, barato e bastante acessível às crianças. Que foi especialmente construído a pensar nas crianças. Daí, o facto de, em pouco tempo, já cerca de 200 mil crianças portuguesas estarem a “navegar” no ou com o ”Magalhães”. Sem terem de enfrentar os mares e os perigos que o navegador teve de saber vencer. Que venceu. Ora, generosos como são, como sempre foram, quiseram portugueses fazer beneficiar da sua inovação crianças moçambicanas. Em número de mil. Vai daí, e sem terem tido necessidade de se deslocaram por mar, como sempre o fez Magalhães, vieram pelo ar. Foi por este meio e por via de empresa lusa, com interesses económicos em Moçambique, que aqui arribaram os primeiros portáteis “Magalhães”. E, como parece ser de bom tom, com direito a pomposa cerimónia pública. Cordial. Amistosa. Cá. Talvez não tão exuberante como a dispensada pelos habitantes de Inhambane aos primeiros navegantes portugueses que ali aportaram. E que lhes terá merecido o “elogioso” epíteto de “terra da boa gente”. Ora, voltando à referida cerimónia do tempo actual, terá sido não mais do que a justificação de que o justificativo para uma ampla cobertura jornalística da oferta. Do gesto que se pretendia magnânimo. De resto, esta é uma forma de conseguir fazer publicidade a baixo custo. Muitas das vezes, sem qualquer custo. Mas que já não consegue passar desapercebida. Por haver cada vez mais pessoas atentes a estes gestos de generosidade.


Naturalmente, à data da oferta aos moçambicanos, pensavam os ofertantes estar a entregar coisa de qualidade. Coisa boa, coisa perfeita. Mas não. A perfeição não existe. O que existe é apenas o possível. E, o possível, em termos de “Magalhães” situa-se pouco acima da mediocridade. Quem o revela, quem o diz, e ao dizer pode estar a estragar uma festa já acontecida, é o jornal português “Expresso”. Que detectou, nas instruções dos jogos do portátil, mais de 80 erros. Entre frases mal construídas, expressões absurdas e frases que simplesmente não existem. É Portugal pátria dos dois Magalhães – do navegador e do computador. Como é dos principais defensores de um acordo ortográfico que virá a ter, provavelmente, utilidade nenhuma. Seja como vier a ser, o navegador Magalhães não merece os atropelos à língua portuguesa com que os seus descendentes o estão a homenagear. Cinco séculos depois da sua morte. Como se pode verificar, e este é o exemplo mais recente, os portugueses têm muita dificuldade em escrever correctamente e em expressar-se na sua língua materna. Logo, não têm direito nem legitimidade para impor normas linguísticas a quem quer que seja. Primeiro, aprendam. Tenham a humildade de saber aprender. Com quem sabe mais. Ou, simplesmente, com quem sabe. Perante este cenário, triste, resta senão lamentar a triste sorte das mil crianças moçambicanas a quem foram oferecidos os portáteis “Magalhães”. Coitadas das mil crianças moçambicanas.