quinta-feira, setembro 28, 2006

Publicado em Mpauto, Moçambique no Jornal Domingo de Setembro 17, 2006

antes e depois

Luís David


Pensar e decidir


Ainda não desapareceu, por completo, o eco das vozes que se fizeram ouvir sobre os últimos acontecimentos envolvendo agentes policiais. Também não o das afirmações feitas em nome do esclarecimento dos factos. Que, diga-se em abono da verdade, pouco esclareceram. Que trouxeram mais dúvidas que certezas. Talvez, e esta é uma hipótese, uma simples hipótese, um dia, um dia mais tarde, venham a ser conhecidas as causas do sucedido na Matola-Rio. As causas e os contornos. A verdadeira dimensão da ocorrência. É que três morte, três mortes à queima-roupa, tem o valor e o peso que tem que ter três mortes. E o esclarecimento do que se passou antes e depois da ocorrência não pode ficar numa simples declaração pública. Mesmo quando ou só pelo facto de essa declaração ter sido feita por um ministro. Pese o respeito que merecem e que devem merecer todos os ministros. É que matar, matar da forma que vimos, através de imagens televisivas, não pode transformar-se em banal cena do quotidiano. A morte, a morte violenta, seja a vítima polícia ou ladrão, não pode ser banalizada. A violência, o acto violento que antecede a morte ou a imagem da consequência desse acto, ainda menos. Sob pena e risco de nos tornarmos insensíveis à violências. E às imagens de morte violenta. Incapazes de distinguir o bem do mal. Incapazes de distinguir o bom do mau. Incapazes de destrinçar quem cumpre e quem viola a lei. Em caso extremo, de, por falta de referências, caminharmos para uma sociedade sem ética e sem moral. Já estivemos mais longe do que estamos. Mas, ainda estamos a tempo, assim o parece, de inverter o percurso.


Não constitui segredo. É por muitos conhecido. Digamos, é público. E, o que é conhecido e é público é o mau comportamento e a forma errada de actuação de alguns agentes policiais, para além dos casos citados. Ainda recentemente, nas colunas deste Semanário, era denunciada a forma de actuação de alguns agentes da Polícia de Trânsito. E, mais, mencionados os locais preferidos da sua actuação. Da sua indigna e ilegal actuação. Mas, muito provavelmente, ninguém terá lido o que foi escrito. Ou se leu, se acaso leu, não agiu. Se leu, decidiu não agir. As razões, os motivos, só quem tinha o dever de agir e não agiu pode explicar. É que esses “caçadores” de multas continuam, lá vão ficando, dia após dia emboscados. Onde muito bem lhes apetece. Escondidos atrás de viaturas ou de árvores. Em vez de fazerem o serviço que lhes compete, de terem um papel activo e necessário para um melhor fluir do trânsito. Principalmente nos cruzamentos e em horas de maior movimento. Mas não. Como intocáveis que parecem ser e agindo à margem de qualquer comando, lá vão continuando a “fazer pela vida”. É que ninguém acredita, ninguém honesto pode acreditar, que a forma de actuar destes polícias de trânsito resulte de uma ordem superior. Se resulta, se o tipo de trabalho que estão a executar é, de facto, o que lhes foi mandado fazer, estamos muito mal. Estamos francamente mal. Podemos estar a criar, a partir de dentro, e a alimentar um complexo sistema, uma teia de corrupção difícil de eliminar. Naturalmente, e sem muitas delongas, quase tudo do que aqui foi escrito é válido para a Polícia Municipal. É aplicável à Polícia Municipal. Uma e outra necessitam, urgentemente, de avaliar o comportamento individual dos seus membros. E, também, de rever os seus métodos de actuação no terreno. Precisam de uma reciclagem. Precisam de aprender a fazer cumprir a lei que todos conhecem. Não aquela que só alguns conhecem. Aquela que só eles parece conhecerem. A lei do mais forte. E, como estamos a ver, como estamos a assistir, a lei do mais forte é a lei daquele que possui arma. É tempo, ainda temos tempo de parar para pensar. Pensar e decidir.