domingo, abril 15, 2007

podemos pensar e agir diferente

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 1, 2007


antes e depois

Luís David

Em termos de mortos e de feridos, resultantes das explosões do Paiol de Malhazine, parece haver já um balanço definitivo. O mesmo não acontece em termos de prejuízos materiais. Aqui, uma avaliação real, objectiva e séria, irá levar meses. Quando não, mesmo, anos. O que não implica nem invalida que, no imediato, comece a ser prestado auxílio às vítimas. Até porque, antes ou para além de qualquer considerando, constitui uma obrigação moral. Do Estado. Não é deste ou de qualquer outro Governo. Entendamos bem, é do Estado. Mas, a verdadeira dimensão das explosões do Paiol ultrapassam, vão muito para além da contabilidade dos mortos e dos feridos, dos prejuízos materiais. Muito provavelmente, a verdadeira dimensão da catástrofe que foram as explosões só serão conhecidas daqui a muitos anos. Ou, por hipótese, talvez, até, nunca o venham a ser. Referimo-nos, às centenas ou milhares de crianças e de adultos que possam ter ficado afectados psicologicamente pelos rebentamentos. Pela fuga desordenada, pela perda de contacto com familiares ou com a sua morte. Também ao número daqueles que, hoje, se queixam de problemas respiratórios e outros. Naturalmente, a louvável iniciativa de montar uma tenda a servir de enfermaria nas proximidades do Paiol, não passa disso mesmo. De uma iniciativa louvável. Dizer, à partida e no local, que este ou aquele sintoma, este ou aquele mal estar, de que se queixam residentes na área, não é resultado das explosões, parece conclusão abusiva. Dizer que mercúrio ou urânio não provocam tais sintomas é, no mínimo, procurar situar-se longe da verdade. No mínimo, poderão ser problemas psicológicos. E, se assim, como tal deverão ser encarados. E tratados.


No após das explosões, decidiu o Conselho de Ministros decretar três dias de Luto Nacional. Período durante o qual, a Bandeira da República deveria ser colocada a meia haste nos edifícios públicos. Naturalmente, durante o dia, dado ser prática o seu arrear ao fim da tarde. Hora, tendo o fim-de-semana sido coberto pelo período de Luto Nacional, consta ter havido alteração nenhuma na programação das casas de diversão e de espectáculos nocturnos. Muito provavelmente, estamos perante uma situação de vazio legal. Logo, se não há legislação sobre a matéria, também não há violação de legislação nenhuma. E, o que possa parecer violação, de facto e no concreto, é apenas uma questão moral. Não passível de qualquer punição. Podem até, como aconteceu em Maputo, os artistas subirem ao palco e solidarizarem-se com as vítimas. Depois, cantarem, rirem, galhofarem, contarem anedotas. Sem se preocuparem com o facto de, bem perto, jazer quase uma centena de corpos sem vida. Corpos de crianças, de mulheres, de chefes de família. Chorados por centenas ou milhares de vivos, seus familiares ou amigos, que da sua presença se viram afastados de forma tão repentina e brutal. Neste contexto, perante uma realidade concreta, nacional, nossa, o que importa saber é o que abrange e a quem abrange a declaração de Luto Nacional. De concreto, os Cínicos dariam um resposta contundente. Mas, podemos pensar e agir diferente.