quarta-feira, março 28, 2007

o tempo que aí vem é curto e pouco

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 25, 2007

antes e depois

Luís David

Uma vasta zona da cidade da então Lourenço Marques foi, durante décadas, conhecida como Carreira de Tiro. A Carreira de Tiro era, como se pode deduzir, a zona, os terrenos, que as tropas do ocupante, do colonizador, utilizavam para treinamento. Ficavam esses terrenos, então, fora da área habitacional. Mais recentemente, nessa mesma zona viriam a ser construídos quartéis, o chamado Bairro Militar e diversas instalações sociais. Tudo ainda, onde a cidade não chegava. Também o Paiol Militar, quando foi construído, estava bem longe de qualquer zona habitacional. Nada havia em seu redor. Com o correr dos anos, a pressão urbanística colocou a zona da Carreira de Tiro, os quartéis, no meio da cidade. E o Paiol Militar no centro de uma zona densamente habitada e rodeada de instalações industriais e sociais. Com o rodar do tempo, há muito que a Carreira de Tiro havia deixado de o ser. Com a independência e o fim da guerra que se lhe seguiu, os quartéis no centro da cidade de Maputo deixaram de ter qualquer importância militar estratégica. E, apesar de haver quartel ainda centro de treino, o Casão e o Supermercado Militar são hoje instalações alugadas e exploradas, em diversas actividades, por civis. Da mesma forma que o Hospital Militar, deixou de atender em exclusivo militares. Desde há muito atende civis. Só Paiol Militar, hoje no centro de uma zona densamente habitada, resistiu ao tempo e à mudança. A todas as mudanças. Há mudança dos homens, das vontades e das mentalidade. Também, merece a pena não esquecer, a três explosões. A primeira, em 25 de Setembro de 1985, quando Samorá Maciel se encontrava a participar na Assembleia Geral das Nações Unidas. A segunda, em princípios deste corrente ano de 2007. A terceira, na quinta-feira que passou. E se não fossem as consequências trágicas desta última explosão, que provocou cerca de cem mortos e quatrocentos feridos, haveríamos de perguntar quantas vezes mais este paiol irá explodir. Ou, em alternativa, que motivo impede que expluda de uma única vez e que, desta forma, desapareça, como paiol, para todo o sempre.



Perante o drama humano causado pelas explosões no Paiol Militar, o luto, a dor e o sofrimento de muitas centenas ou milhares de pessoas, decidiu o Conselho de Ministros decretar três dias de luto nacional. Mais decidiu, nomear uma comissão de inquérito a quem concedeu um prazo de quinze dias para apresentar relatório. É, desde logo, à partida, uma missão ingrata. Por vários motivos e muitas razões. Primeiro, por ter de dizer se, em boa verdade, o excessivo calor registado na cidade de Maputo foi, efectivamente, factor único e determinante para as explosões, Segundo, que tipo de material se encontrava armazenado no Paiol. Terceiro, se o Paiol ainda funcionava como em 1985, num sistema a que os técnicos chamam de “ilhas”. Se sim, quantas “ilhas” ainda estão intactas, ou seja quantas estão prontas a explodir por acção dessa muito genérica definição de calor. E, por fim, que tipo e que quantidade de material não explodiu. E, obviamente, o motivo pelo qual não explodiu quando, por uma questão lógica, devia ter explodido. Ou se, de facto, explodiu todo o material bélico que se encontrava armazenado no Paiol de Maputo. Logo, se o Paiol de Maputo desapareceu, em definitivo. Para sempre. Se sim, se assim, ainda bem. Não mais haveremos de lamentar a perda de vidas humanas. Se assim não, o tempo começa a ser curto para dizer a verdade. E o tempo que aí vem é curto e pouco.