quarta-feira, março 28, 2007

É preciso abandonar o medo

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Março 11, 2007

antes e depois

Luís David

É a província de Inhambane, e em particular a região de Vilanculos, propícia a tufões, a furacões, a tempestades tropicais. Estes fenómenos, que não tenho competência técnica nem científica para explicar, não são de hoje. Vêm de longe, vêm de tempos muito atrás do nosso tempo. Digamos assim, para avaliar como ainda é grande o nosso desconhecimento, vêm desde sempre. Sempre assim foi. Talvez, até, sempre assim irá ser. Hoje, o mais que podemos, o que o conhecimento nos permite, é, apenas prever. Não evitar. Mas, só o facto de ser possível prever a aproximação da tempestade, do tufão, do ciclone é, si mesmo, um grande avanço no conhecimento. Porque, desde logo, permite tomar cautelas, tomar medidas preventivas, permite lançar alertas. Permite, em última instância, evitar a perda de vidas humanas. Mas, não foi sempre assim. Foi diferente em tempos atrás. Então, situemo-nos nesses tempos idos. Situemo-nos há trinta anos atrás. Num dia, que parecia igual a muitos outros, chega a Maputo a informação de que um forte vendaval havia destruído e matado por tudo quanto era terra de Inhambane. Então na Revista “Tempo”, eu e Kok Nam lá fomos a caminho pelas quatro e meia da manhã do dia seguinte. Debaixo de chuva torrencial. Vencida a água da chuva que já cobria a estrada, na zona da “Junta”, daqui até Xai-Xai, nada vimos de anormal. Retomada a viagem havia, aqui e ali, alguns coqueiros tombados. Nada de excepcional, nada de anormal. A nossa chegada a Inhambane terá sido surpresa para o governo provincial. O então governador, já falecido, nada sabia, nada conhecia, de nada tinha conhecimento. Entendeu por bem, na nossa viagem mais para norte, fazer-nos acompanhar por um funcionário do seu governo. E, lá fomos, com destino a Vilanculos. Com uma paragem, única, numa cantina à beira da estrada. Uma sopa de feijão manteiga com arroz, já que nada mais havia para comer, não podia ter substituído melhor refeição nesse meio de tarde. De estragos ninguém sabia, ninguém tinha conhecimento. De ventos fortes, sim. E, de coqueiros arrancados pela raiz, também.


Em anos recentes, há exemplos de governadores provinciais e de Ministros que se recusaram a receber, que se recusaram a inaugurar obras que se apresentavam sem um mínimo de qualidade. Até, em alguns casos extremos, sem um mínimo de dignidade para serem utilizadas por seres humanos. Digamos que eram, e são, que continuam a ser, uma afronta aos moçambicanos. Ainda agora, esse tal de tufão “Fávio”, nos veio mostrar a fragilidade das construções de hoje, em Moçambique. E nos veio colocar se vale a pena, de facto, construir o que quer que seja com tão má qualidade. Em termos diferentes mas não desiguais: Se o nosso estudante e o nosso doente não merecem bem melhor, em termos de qualidade, do que a escola e o posto médico que por aí se estão a construir Claramente que sim O que a realidade concreta e actual nos mostra é que os ditos doadores são, em muitos casos, a génese da corrupção. Porque sabendo que determinadas empresas realizem obras para as quais não estão habilitadas. Logo, de má qualidade. Pior e mais grave, que aceitem que certos sujeitos, que alguns vigaristas lhes apresentem facturas falsas. Facturas de uma empresa que não está qualificada, muito menos habilitada para executar o trabalho que factura. E que, sequer, executou trabalho algum. Na área em que está a facturar. E, de forma lógica, sem pagar impostos ao Estado. E, é aqui que se começa a perpetuar o chamado ciclo eterno da pobreza. Talvez, até, por uma questão de medo. Porque o vigarista, tendo rosto, podendo até viver no nosso prédio, também tem dinheiro. Tem muito dinheiro. Sobretudo porque foge ao Fisco. E, tendo dinheiro pode contratar os mais caros advogados da praça. Para o proteger, para o defender quando os coitados, que somos nós todos, afinal, nos rebelamos conta colonialistas e fascistas. Racistas. É preciso abandonar o medo.