terça-feira, maio 08, 2007

o informal não é um caso de polícia

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 29, 2007


antes e depois

Luís David

Durante muitos anos, funcionaram em Moçambique escolas chamadas de artes e ofícios. Escolas destinadas a preparar jovens com alguns saberes. Sobretudo, com o saber fazer. Tiveram, naturalmente, os deméritos e os méritos que um tal tipo de ensino podia ter na época em que funcionou. Por razões históricas, que no contexto em que se escreve pouco adianta abordar, foram desaparecendo. Desapareceram, por completo. Mais recentemente, num tempo presente e actual, começou-se a ouvir falar em ensino técnico - profissional. Não como simples hipótese de um novo tipo de ensino, não como abordagem programática. Mas, e ao que tudo indica, como estratégia governamental de preparação para o trabalho. E, sem que este modo, este género de ensino possa ser considerado como substituto do anterior, os seus objectivos são, no essencial, idênticos. Ou seja, o que se pretende, neste presente actual, é dotar os jovens com habilidades, competência, saberes e conhecimentos que lhes permita desenvolver uma actividade produtiva. E, logicamente, lucrativa. Não se trata, ao que nos é dado entender, de preparar jovens para conseguirem emprego. Ou, como se diz por terras das europa, para conseguirem o primeiro emprego. Trata-se, pela inversa, de preparar jovens para o trabalho. De preparar jovens para que, começando por ser simples trabalhadores, possam, eles próprios, encontrar forma de dar trabalho a outros jovens. Muito por hipótese, fora da ultrapassada concepção de emprego. Mas, ao abrigo da concepção, hoje já universal, do informal.


Temos vindo a navegar, muitos de nós, nas águas nem sempre límpidas e nem sempre calmas, que dificultam permitir perceber os significados de emprego e de trabalho. No tempo de hoje, na realidade espacial moçambicana. Mas, também e não só. Em termos mais latos, em termos universais, se por aí formos, o emprego tende a desaparecer. Pode, até deixar de existir. Hoje, quem tem emprego, conserva-o, defende-o, protege-se para o conseguir manter. Quem o não tem, poderá nunca o conseguir ter. Por muito que lute. É que a verdadeira batalha deixou de ser para conseguir emprego mas, muito simplesmente, para ter trabalho. De resto, o combate à pobreza passa muito mais pelo trabalho do que pela criação de empregos. É, pois, neste sentido, que merece reflexão a entrevista concedida pelo director geral do Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional ao jornal “Magazine” (edição da última quinta-feira). Contrariando aquela que pode ser definida como a concepção dominante, começa por afirmar: O perfil social da mão-de-obra moçambicana mostra que não está desenvolvida de uma forma colectiva a cultura do empreendedorismo, do ponto de vista do emprego. Os recursos humanos estão tradicionalmente preparados para procurar emprego e não para criar o seu próprio emprego. Ainda na resposta à mesma pergunta, e depois de reflectir sobre a situação global e nacional, afirma: Estas pessoas precisam de oportunidades para serem produtivas para si, suas famílias e para a sociedade. Hoje, o sector informal é a esponja que absorve essencialmente a mulher empreendedora em Moçambique e assegura a saída de muitas famílias dos níveis de pobreza absoluta. Certamente que sim. Claramente que estamos de acordo. Pelo menos nós os dois. Em termos de princípios e de objectivos. Mas, causa alguma preocupação, provoca alguma dor, a forma como os informais continuam a ser tratados. Diria eu, talvez em termos abusivos, discriminados. Parece, diz-se por aí, há muita inveja. Então, tudo se faz, tudo é feito no sentido de o informal nunca passar disso mesmo. É que sendo e permanecendo informal, tem direito nenhum a crédito para desenvolver o seu negócio. Mas tem o dever de pagar taxas legais e protecções ilegais. Isto é, fica obrigado a dividir parcos lucros com corruptos e, logo, sem qualquer possibilidade de criar, por si, capital próprio. Para poder desenvolver e ampliar o seu negócio. Para conseguir sair do que alguns chamam de informal, e passarem para o que chamam de formal. Isto é, passar do lado dos maus para se acolher no lado dos bons. Se nega, se procura sair deste ciclo diabólico, leva porrada. A nível da cidade de Maputo, esta realidade é particularmente gritante. Vergonhosa. E, justifica e exige intervenção ao mais alto nível. A barreira entre comércio informal e formal, na nossa realidade concreta, pode não passar de uma questão psicológica. Uma forma de perceber e entender, mal ou bem, certos fenómenos sociais. De perceber, antes de qualquer outra concepção, que o informal não é um caso de polícia.