terça-feira, junho 19, 2007

o pai que temos da democracia que não queremos

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 17, 2007

antes e depois

Luís David

Cada qual, cada um de nós é livre de ter a concepção de democracia que melhor lhe aprouver. Sendo, embora, que democracia não é um conceito elástico. Nem uma realidade que se adapte ao desejo e à vontade de quem a proclama. Ou dela, da democracia, se proclama. Por exemplo, não tem sentido, não faz sentido, que alguém apele à violação de códigos ou de leis para se afirmar, publicamente, como democrata. Que apele à violação de lei ou de código em defesa e protecção do violador. Que apele à autoridade legalmente constituída para violar a lei. Que apele à autoridade, legalmente constituída, para violar lei, em defesa de pretensos valores democráticos. Em defesa de conceitos pessoais de democracia. Ora, aqui e agora, não estamos a defender a democracia. Mas, muito provavelmente o contrário. O inverso. Estamos, podemos estar, a defender o contrário da democracia. E, podemos estar a abrir a porta de entrada que dá acesso à estrada larga do vazio do poder. Ou, o que pode ser mais perigoso, para um poder pessoal e autoritário.


Foi, há dias, o líder da RENAMO, vítima de acidente de viação. Internado, acamado, recebeu em leito hospitalar a visita do Presidente da República. De quem recebeu palavras de solidariedade. De apoio. Depois, dias mais tarde, terá vindo a público, através de porta-voz. pedir a libertação do causador do acidente. Do condutor da viatura que embateu naquela em que se fazia transportar, Por, ao que se diz, não ter respeitado o sinal vermelho de paragem obrigatória. Logo, por haver cometido infracção punível por lei. Ora, é aqui que reside a questão. Se o líder da RENAMO quer ou não quer ser indemnizado dos prejuízos que sofreu, trata-se de uma questão pessoal. Está no seu direito em dizer que não. Que nada quer receber. O que já não pode, pelo menos não deve, é de, em caso de ter havido crime público, influenciar para que não seja feita justiça. E, desta forma, passar a ser normal, passar a norma violar, avançar quando o sinal vermelho obriga a parar. Ora, a ser assim, a vir a ser assim, estaríamos perante aquilo a que poderíamos chamar de “lei da selva”. De resto, registemos se estamos, ou não, perante um acto de democracia ou de populoso político. Talvez estejamos perante o pai que temos da democracia que não queremos.