quarta-feira, julho 04, 2007

Estão sempre a ir e vir

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Junho 27, 2007

antes e depois

Luís David

Depois de, em 2006, haver editado “Crónica da Rua 513.2”, João Paulo Borges Coelho oferece-nos agora “Campo de Trânsito”. São pouco mais de 200 páginas para romancear, a história, a desdita ou a dita, que tem como protagonista um tal de J. Mungau. Um trabalhador, como tantos outros, que numa certa noite é acordado com pancadas ritmadas na porta do seu apartamento. Era, assim o diz o romance, o Bexigoso e seus acompanhantes, que o fazem descer as escadas e o transportam até ao comando. Ao longo do percurso, Mungau interroga-se várias vezes, sobre de que o acusam. Admite, em pensamento, chega a admitir, que possa ter havido engano. Depois, é confrontado com uma comunicação do seu despedimento. Que, sem alternativa, acaba por assinar. Aqui, começa a longa viagem a permanência no “Campo de Trânsito”. Possa ou não parecer, trata-se de uma história actual e de um tempo recente, do país que todos somos. Onde não falta, sequer, o conflito entre tradição e modernidade. Levado ao desconforto do quase ridículo das posições de alguns dos intervenientes. Como se ou a defenderem tradição como algo de estático. Antes de passar além, dizer apenas que o romance em questão merecia uma tiragem bem maior do que os 500 exemplares da primeira edição. Aguardemos para ver o que o futuro lhe reserva.


Penso que, na maioria dos casos, se afigura presunção fazer crítica a obra literária. Principalmente quando o autor não é novato nem estreante. E conta com quase uma dezena de obras editadas. Mas já pode ser interessante transcrever um dois parágrafos, uma dezenas de linhas da sua obra. Então, retiradas das duas últimas páginas do livro, aqui ficam: Começa a cair uma chuva miudinha que ajuda a apagar o resto das fogueiras, quase cinza. A sombra da noite esgueira-se para os lados da ponte, ali onde a horda invadirá o Campo de Trânsito. No chão, arrastam-se os mais valentes, homens e mulheres capazes ainda de algum movimento, os primeiros que irão descobrir que tudo tem um fim. E, na página seguinte e última: De cima do camião do Bexigoso, pronto a partir, Mungau vê-os chegar enquanto atira furtivamente as colheres que tem no bolso para os desacordados prisioneiros, como se as semeasse. Para se ver livre delas e para que eles possam enfrentar as papas do futuro – se ainda as houver – de colher na mão. E, a terminar, mesmo que terminar possa não ter como significado atingir o fim: O Bexigoso acena-lhes de longe. Está tão ansioso por regressar à cidade que resolveu partir mesmo antes de o combate acontecer. Houve-se, mero acaso, mera especulação, necessidade de concluir algo, de ir para além do que o autor de o “Campo de Trânsito” escreve, seria para acrescentar que este país teve muitos `bexigosos`. Que partiram antes de o combate acontecer. Mas que, como o Bexigoso da história, do romance, também estão sempre ansiosos por regressar à cidade. Digamos que partiram mas não foram. Partiram não indo. Partiram ficando. Partiram por convicção. Ficaram por interesses. Por isso regressam. Estão sempre a regressar. Estão sempre a ir e vir.