domingo, novembro 18, 2007

O último colonizador a abandonar África

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Novembro 18, 2007
antes e depois

Luís David

Desde sempre e até aos nossos dias, as técnicas de combate à guerrilha parecem ter-se saldado por insucessos. Na generalidade. Parece não haver registo nem memória de um exército convencional ter vencido uma insurreição com apoio popular. Também terá sido assim em Moçambique. Mas, influenciado pelas teorias norte-americanas da época, Kaulza de Arriaga pensava diferente. E, pensava errado. Mas, também pensava mal. Sendo que pensar errado e pensar mal são coisas diferentes e bem diversas. Pensava o mentor e executor da operação “Nó Górdio” que, quanto mais se avançava para o norte da Europa, mais os homens eram inteligentes. Maior era o coeficiente de inteligência dos homens. E, se assim pensava, assim o disse e assim o escreveu o general. Sem receio de que lhe chamassem racista ou fascista, defendeu o general que os nórdicos eram mais inteligentes que os restantes povos europeus. O estrafega militar português, habitual frequentador de cursos de altos estudos militares nos Estados Unidos, entre os muitos erros que cometeu, existe um que lhe poderá ter sido fatal. Terá sido o do factor tempo. De facto, Kaúlza não terá contado, na sua estratégia militar, com o tempo necessário para ver concluída a construção da Barragem de Cahora Bassa. Muito menos para a construção das restantes seis barragens, até ao mar. E, menos ainda, com o tempo necessário para a fixação de um milhão de colonos portugueses no Vale do Zambeze. E, assim, impedir o avanço da guerrilha para sul. Para não ferir susceptibilidades, digamos, apenas, que Kaúlza de Arriaga estava atrasado no tempo. Embora apenas algumas décadas, mas estava.


Mais de trinta e dois anos depois de Moçambique ter feito arrear e de ter procedido à entrega, formal, à potência colonial da sua última bandeira nacional, vai acontecer cerimonial com significado idêntico. Vai acontecer Moçambique assumir, definitivamente, o controlo de Cahora Bassa. Para trás, fica, naturalmente, um longo e sinuoso percurso. Como fica, também, a percepção de que sendo Portugal a parte mais interessada no normal funcionamento da Barragem e no regular fornecimento de energia à África do Sul, foi, de forma inequívoca, o principal responsável pela destruição de cerca de mil torres. E pela interrupção de uma fonte de receita que interessava mais a si do que a terceiros. A história de Cahora Bassa, é uma história que pode ser escrita hoje, amanhã, depois de amanhã. Não é uma história que, para ser escrita, necessite da abertura de arquivos secretos. Dentro de dias, como se anuncia, quando aí vier o Primeiro Ministro de Portugal, para assistir à passagem da gestão de Cahora Bassa para Moçambique, pede-se lhe uma coisa muito simples. Pede-se lhe, apenas, que assuma a derrota de Portugal em Alcácer Quibir. E que diga que dom Sebastião haverá nunca mais de voltar. Que o sebastianismo é um mito. Mas que diga, também, que tenha a coragem de dizer, que os apetites coloniais de Portugal se prolongaram até 2007. E que ele, este e actual Primeiro Ministro de Portugal, aqui virá como último colonizador africano. Queiramos ou não, a história haverá de registar quem foi o último colonizador a abandonar África.