domingo, agosto 10, 2008

A “revolução verde” implica a participação do camponês

Por vezes, por dias, em certas ocasiões, parece difícil escrever. Se escrever significa dizer coisas novas, diferentes, originais. Então, se não há, se não existe essa disposição, se não há essa capacidade, resta recorrer a quem sabe mais. A quem viveu, estudou e investigou. Mais. É o caso do repórter polaco Ryszard Kapuscinki, falecido no início de Janeiro de 2007. Do muito que escreveu, principalmente sobre África, conheci, li agora “Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício – Conversas Sobre o Bom Jornalismo”. A primeira edição em língua portuguesa tem a chancela do Relógio D´Água, e é datada de Fevereiro de 2008. O curioso, talvez o mais curioso, é que tratando de um livro sobre jornalismo, também é um livro sobre África. Sobre os problemas de África. Ou de como o jornalismo, sobretudo o mau jornalismo, deforma a visão dos problemas reais de África. Ou, para ser mais claro e concreto, dos pobres de África. Ainda estamos na introdução ao livro a já Maria Nadotti escreve, em termos de dúvida. Talvez de provocação: Quem acredita na objectividade da informação, quando o único relato possível é “pessoal e provisório” (pag. 18)


Em resposta a uma questão que lhe foi colocada, o repórter responde (pag. 74): A meu ver, o desaparecimento do mundo camponês do globo é um dos grandes paradoxos do mundo contemporâneo porque produzimos uma quantidade de alimentos cada vez menor para uma população em contínuo crescimento. A eliminação do mundo camponês é um fenómeno sócio-económico à escala mundial, consiste num acto suicida global. O meu campo é África e posso dizer que se trata de um processo tipicamente suicida a que a humanidade por vezes se abandona: o continente que tem cada vez menos alimentos e cada vez mais habitantes está a eliminar a classe camponesa e está a fazei-lo muito rapidamente. Com efeito, uma grande parte da humanidade vive das ajudas, e com estas ajudas que estamos a enviar para o Ruanda e para outros países, estamos a criar uma situação trágica: uma classe parasita de refugiados à escala mundial, que são afastados das suas aldeias, dos seus campos, do seu gado, colocados nos campos de refugiados e alimentados pelas organizações mundiais – muitas delas são completamente corruptas – onde vai parar o nosso dinheiro e os nossos impostos. E, mais adiante: Estamos a criar, através deste louco mecanismo das chamadas organizações humanitárias, um problema enorme para a humanidade, eliminando a classe camponesa e tornando a classe camponesa cada vez mais dependente da burocracia das chamadas organizações humanitárias. Talvez seja útil acrescentar que durante os últimos 5.000 ou 7.000 anos de história escrita vivemos uma única história, que criámos e na qual participámos. Mas desde o desenvolvimento dos meios de comunicação, na segunda metade do século XX, estamos a viver duas histórias diferentes: a verdadeira e aquela criada pelos meios de comunicação. O paradoxo, o drama, o perigo residem no facto de que conhecemos cada vez mais a história criada pelos meios de comunicação e não a verdadeira. Por isso, o nosso conhecimento não se refere à história real, antes à história criada pelos meios de comunicação. O que, concluamos, sendo verdade é mau. É péssimo. Quando estamos, como estamos, como se terá percebido que estamos, a elaborar sobre a “revolução verde”, parece importante deixar claro dois aspectos: O primeiro, é que a “revolução verde” nunca poderá ter sucesso através da simples repetição do discurso do Presidente da República. Primeiro, pelos governadores provinciais. Depois, pelos administradores. E, por aí em diante. A “revolução verde” não se faz, nunca haverá de ter sucesso, através da repetição mecânica do discurso do chefe. Não se faz, nunca poderá ser feita, em nome do camponês. A “revolução verde” implica a participação do camponês.