domingo, agosto 24, 2008

um escândalo nacional

Trata-se de um fenómeno universal. Como o da fome. Aquilo que as crianças aprendem, nos primeiros anos de vida, em casa, com a família, esquecem. Quando entram na escola. A escola, quando a criança aí chega, providencia-lhe como que uma lavagem ao cérebro. Tenta apagar o que ela sabe. E, não dá continuidade ao seu saber e ao seu saber fazer. Não incentiva as suas tendências. Não procura valorizar nem investigar o que a criança tem de diferente. Nem de melhor. E, incentivar a diferença. Valorar e valorizar a diferença. Não. O que a escola tenta fazer, o que a escola faz com exemplar mestria, é mediocrizar. Mediocrizar o diferente, mediocrizar o génio. Fazer baixar o génio ao nível do sofrível. Quando não ao nível do medíocre. Por isso ou para isso, servem os planos e programas de ensino objectivamente medíocres. Neste campo, Moçambique pode não ser apontado como pioneiro. Mas, é exemplo. De resto, ao que se diz, latim e português arcaico a ninguém aproveitam. Como se diz que a criança, o estudante moçambicano é forçado a decorar matérias de valor nenhum e de utilidade nenhuma. Na sua vida prática. Por isso, assim parece, os resultados estão à vista. Acresce, que não se incentivam vocações nem o gosto pelo trabalho. Por uma profissão ou por uma carreira. Criam-se e alimentam-se, isso sim, mentalidades distorcidas. Daí, o síndroma do diploma. Pelo chamado canudo. Que as universidades, principalmente as públicas, têm o dever de ser as primeiras a combater.

Com “Resultados péssimos”, o “Notícias” de 15 do corrente titulava a sua principal local, referindo-se aos exames extraordinários. E, acrescentava que “Dos 44.525 avaliados da 12ª classe, apenas 21 por cento foi aprovado. Ao que parece, aqui, não estamos perante um desastre ou uma calamidade natural. Estamos, isso sim, perante um escândalo. E um escândalo, só, e só, nacional. Porque é escândalo nacional que, desses mais de 44 mil estudantes adolescentes e adultos, apenas pouco mais de nove mil tenham obtido notas para passar de ano. Quer dizer, de forma clara, os nossos impostos, os impostos que pagamos ao Estado, estão a ser mal geridos. Estão a ser geridos de forma manifestamente incompetente. E, perante a realidade dos números, importa tirar uma conclusão. De entre várias e muitas hipóteses possíveis. A primeira, é de que os estudantes não estudam. Que vão à escola apenas por ir à escola. A segunda, é a de que os programas de estudo não estão adequados à realidade nacional. A terceira, é a de que os professores não estão capacitados para ensinar as matérias que devem ensinar. Objectivamente, sejam quais possam ser as causas de um tão elevado número de reprovações, estamos perante um escândalo. E, este é um escândalo nacional.

domingo, agosto 17, 2008

os nossos interesses são os interesses do camponês moçambicano

Desde há muito anos que se fala na perda de parte da produção agrícola pelos camponeses. Quer dizer, os camponeses produzem. E, produzem para além das suas necessidades alimentares. Para além das suas necessidades alimentares básicas imediatas. Mas, depois, não possuem nem meios nem conhecimentos para conservar por longos períodos o excesso da sua produção. Seja ela qual seja. Assim como não conseguem fazer chegar esses seus excedentes agrícolas a outras e diferentes zonas do país. Seja devido à ausência ou ao mau estado das vias de circulação. Seja por motivo da falta de meios de transporte. Seja, ainda, que para além de uns e de outros, o preço do mercado é baixo. O preço no mercado de destino não compensa, não paga, não suporta os custos da produção. Por este e, provavelmente, por outros motivos, em algumas regiões do país há produção em excesso. E, que se estraga. Em outras, poderá haver fome. Há mortes devido à fome, em certas regiões do país. O que indicia estarmos perante um processo distorcido. Se assim, produzir mais, aumentar a produção é igual a perder mais dinheiro. Em termos de matemática, a lógica do camponês é inatacável. Por estes e, provavelmente por outros motivos, em algumas regiões do país a produção agrícola pode reduzir. Estamos, ao que parece, perante realidades antagónicas. O mercado, como todos o sabemos, não é perfeito. Logo, cabe ao Estado assumir o papel de regulador. Cabe ao Estado, seja através da garantia do preço de compra ao camponês, seja através de subsídios ou de isenções possíveis, tornar o preços dos produtos agrícolas competitivos e que compensem o esforço do camponês nacional.


A perda de excedentes agrícolas nacionais, situa-se em números alarmantes. Segundo o jornal “Notícias” (13 de Agosto corrente), o país perde, anualmente, um milhão de toneladas de comida. Produzida internamente. Com muito esforço. E, por certo, muito sacrifício. Esta quantidade de comida perdida representa cerca de 40 por cento da produção total do país. E do trabalho e do esforço de cerca de 3,7 milhões de camponeses. Trata-se, como se pode verificar, de números impressionantes. Talvez, até, chocantes. Mas que sendo verdadeiros, e tudo indica que sim, nos transportam para outra realidade. Ou, se assim se preferir, para uma outra dimensão da realidade nacional. A de que o problema de Moçambique não é um problema de produção. Que o problema da eliminação da fome não assenta, unicamente, no aumento da produção agrícola. Tem outros vectores, não menos importantes. O primeiro, passa por eliminar o conceito negativo de combate à pobreza. E criar e alimentar o conceito positivo de criação de riqueza. É que todos queremos ser ricos. Pelo menos queremos, hoje, viver melhor do que vivíamos ontem. Através do trabalho honesto. O segundo, é o que de parece esgotada toda a falácia que por aí se houve em nome do camponês. Que é tempo de deixar de se falar em nome do camponês. Para dar a palavra ao camponês. Em substituição do tempo de palavra que se dá, em salas com ar condicionado, a representantes de OGN´s. A que, como todos sabemos, o camponês não tem acesso. Nem, ao que se saiba, alguma vez manifestou interesse em ter. Este dualismo, esta dualidade, implica, obrigatoriamente, uma decisão. Que pode ser dolosa para quem tem o poder e o dever de decidir. Para decidir se opta pela continuação de projectos dispersos ou pela execução de um plano nacional. Que convenha aos interesses nacionais. Tenhamos que ao discurso de ocasião, se sobrepõem os interesses nacionais de longo prazo. Aqui residem os interesses do camponês nacional. E, os nossos interesses. Porque, os nossos interesses são os interesses do camponês moçambicano.

domingo, agosto 10, 2008

A “revolução verde” implica a participação do camponês

Por vezes, por dias, em certas ocasiões, parece difícil escrever. Se escrever significa dizer coisas novas, diferentes, originais. Então, se não há, se não existe essa disposição, se não há essa capacidade, resta recorrer a quem sabe mais. A quem viveu, estudou e investigou. Mais. É o caso do repórter polaco Ryszard Kapuscinki, falecido no início de Janeiro de 2007. Do muito que escreveu, principalmente sobre África, conheci, li agora “Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício – Conversas Sobre o Bom Jornalismo”. A primeira edição em língua portuguesa tem a chancela do Relógio D´Água, e é datada de Fevereiro de 2008. O curioso, talvez o mais curioso, é que tratando de um livro sobre jornalismo, também é um livro sobre África. Sobre os problemas de África. Ou de como o jornalismo, sobretudo o mau jornalismo, deforma a visão dos problemas reais de África. Ou, para ser mais claro e concreto, dos pobres de África. Ainda estamos na introdução ao livro a já Maria Nadotti escreve, em termos de dúvida. Talvez de provocação: Quem acredita na objectividade da informação, quando o único relato possível é “pessoal e provisório” (pag. 18)


Em resposta a uma questão que lhe foi colocada, o repórter responde (pag. 74): A meu ver, o desaparecimento do mundo camponês do globo é um dos grandes paradoxos do mundo contemporâneo porque produzimos uma quantidade de alimentos cada vez menor para uma população em contínuo crescimento. A eliminação do mundo camponês é um fenómeno sócio-económico à escala mundial, consiste num acto suicida global. O meu campo é África e posso dizer que se trata de um processo tipicamente suicida a que a humanidade por vezes se abandona: o continente que tem cada vez menos alimentos e cada vez mais habitantes está a eliminar a classe camponesa e está a fazei-lo muito rapidamente. Com efeito, uma grande parte da humanidade vive das ajudas, e com estas ajudas que estamos a enviar para o Ruanda e para outros países, estamos a criar uma situação trágica: uma classe parasita de refugiados à escala mundial, que são afastados das suas aldeias, dos seus campos, do seu gado, colocados nos campos de refugiados e alimentados pelas organizações mundiais – muitas delas são completamente corruptas – onde vai parar o nosso dinheiro e os nossos impostos. E, mais adiante: Estamos a criar, através deste louco mecanismo das chamadas organizações humanitárias, um problema enorme para a humanidade, eliminando a classe camponesa e tornando a classe camponesa cada vez mais dependente da burocracia das chamadas organizações humanitárias. Talvez seja útil acrescentar que durante os últimos 5.000 ou 7.000 anos de história escrita vivemos uma única história, que criámos e na qual participámos. Mas desde o desenvolvimento dos meios de comunicação, na segunda metade do século XX, estamos a viver duas histórias diferentes: a verdadeira e aquela criada pelos meios de comunicação. O paradoxo, o drama, o perigo residem no facto de que conhecemos cada vez mais a história criada pelos meios de comunicação e não a verdadeira. Por isso, o nosso conhecimento não se refere à história real, antes à história criada pelos meios de comunicação. O que, concluamos, sendo verdade é mau. É péssimo. Quando estamos, como estamos, como se terá percebido que estamos, a elaborar sobre a “revolução verde”, parece importante deixar claro dois aspectos: O primeiro, é que a “revolução verde” nunca poderá ter sucesso através da simples repetição do discurso do Presidente da República. Primeiro, pelos governadores provinciais. Depois, pelos administradores. E, por aí em diante. A “revolução verde” não se faz, nunca haverá de ter sucesso, através da repetição mecânica do discurso do chefe. Não se faz, nunca poderá ser feita, em nome do camponês. A “revolução verde” implica a participação do camponês.

domingo, agosto 03, 2008

os erros políticos podem ter custos eleitorais

Os números são impressionantes. Para não dizer preocupante. E foram revelados ao Presidente da República. Durante a sua recente visita a Tete. Só nos primeiros meses de 2008, terão sido detectados cerca de 1.500 migrantes ilegais. Na província. Provenientes de onze países de África e da Ásia. Extrapolando os dados, mas sem especular. Muitas mais centenas de ilegais devem ter entrado no país por outras fronteiras. De outras províncias. Muitas outras centenas de ilegais podem estar a viver em Moçambique. Convindo que os motivos para essa vinda, para esse atravessar clandestino das nossas fronteiras, não foram motivos de ordem política, impõe-se uma reflexão. Séria a profunda. Realista. Não política. Por forma a saber e a saber-se se estes ilegais constituem ou não elemento destabilizador da sociedade moçambicana. A nível social. Mas, também, económico. Sabemos, por ser público, que muitos dos ilegais se entregam à exploração de ouro, de pedras preciosas, de diamantes, de madeira. E ao seu contrabando. Não punir, não sancionar quem nos rouba, quando se conhece o ladrão, é perigoso. É abdicar do Poder. É abdicar do Poder do Estado. E, em alguns momentos, o Estado parece estar a abdicar do seu Poder. Parece manifestar o receio de ser e de ter de ser Estado. Ora, o poder do Estado emana, sempre e em última análise, do Soberano. Quem manda no Governo, quem coloca e mantém o Governo é o Soberano.


Na cidade de Maputo, cidade capital do país, capital da República, a violência criminosa parece ter adquirido novos contornos. Parece ter atingido novos patamares. Mais elevados e mais sofisticados patamares. Perante a passividade policial. Perante uma preocupante passividade policial. Perante a inércia policial. Ao que se sabe, ao que é público, estamos, hoje, perante crimes selectivos. Estaremos perante raptos para extorquir dinheiro. Estamos perante raptos de pessoas supostas de ter poder económico ou político. Estamos perante aquilo a que, em qualquer parte do mundo, se chama de terrorismo urbano. E estamos, também, na realidade, perante polícias que para combater esta nova forma de crime têm ideias poucas. Mais exactamente, ideias nenhumas. E que sequer nos dizem, que sequer nos aconselham, por não saberem ou por não quererem dizer, que cuidados devemos tomar. Quando andamos a pé. Quando estamos a conduzir uma viatura. Que cuidados devemos tomar para não sermos alvos dos bandos criminosos. A quem devemos telefonar. A quem devemos pedir ajuda. E, como. O crime organizado tem, hoje, ao seu dispor todos os novos meios de comunicação. As polícias poderão ter nem tanto. Mas, ao que parece, fizeram opções erradas. Traçaram objectivos errados. Estão muito preocupadas com o combate ao vendedor de esquina, ao vendedor do informal, e negligenciaram o apetrechamento para o combate ao crime organizado. O que pode ter sido um erro político. E os erros políticos podem ter custos eleitorais.