domingo, agosto 08, 2010

Contestar é um direito soberano

Todos sabemos que há afirmações que não devem ser feitas em público. Publicamente. Sobretudo através de rádios, de televisões, de jornais. Sobretudo e quando essas afirmações não possuem consistência. Não tenham sido devidamente ponderadas. Não passem de vontade ou de desejo pessoais. Sem um mínimo de possibilidades de serem executadas, de serem lavadas à prática. Outro tanto, por serem ilegítimas ou simplesmente absurdas. Quando tal acontece, resta saber e querer recuar. Resta ter de dar o dito por não dito. Resta ter de engolir o que se chama de sapos vivos. E, infelizmente, cá entre nós há quem esteja sempre preparado, sempre disponível para engolir sapos vivos. O que, não raras vezes, tem efeitos colaterais. Causa, mesmo dificuldades e prejuízos a terceiros. Origina situações de mal-estar e de agitação. Em última hipótese, há afirmações e declarações públicas que devem ser, abertamente, denunciadas e repudiadas. Por serem ilegitimas, quando não ilegais. Logo, que todos temos o direito de não cumprir. No plano pessoal, nenhum cidadão é obrigado a cumprir o que viole a Constituição ou a sua consciência.


Vamos a factos. Ainda está fresca na memória de todos nós, essa história, mal contada, da obrigatoriedade do uso de coletes reflectores e de triângulos com determinadas características. Por parte dos condutores. Uma história que ninguém tem coragem nem para desmentir nem para confirmar. Sobre o folhetim, sobre a rocambolesca novela, apresentaram-nos um capítulo. Agora, de novo, sobre a inspecção de viaturas. Titulou o jornal “Notícias” (edição de 30 de Julho passado), que Autoridades descartam prorrogação do prazo. Como fundamento para a decisão, o matutino cita um dirigente do INAV, a dizer que O que se viu é que a maioria dos automobilistas, por inércia, acabou deixando tudo para o fim. Naturalmente que sim. Mesmo quando se aceite que a inércia é o princípio do movimento. E que, também, é por inércia que aceitamos ter dirigentes que se permitem fazer este tipo de afirmações arrogantes. Passando ao dia seguinte, o mesmo diário titulada a toda a largura da sua primeira página: Fiscalização adiada. E, justifica: Uma das razões que forçaram as autoridades a recuarem da sua decisão de pôr em marcha a fiscalização tem a ver com a existência de províncias que ainda não têm instalações destes serviços de exame. Como os não tinham na véspera. Nem irão ter nos próximos meses. É do autor da afirmação arrogante do dia anterior, o gesto de benevolência que se traduz na seguinte frase: Demos a possibilidade de só se iniciar com o processo de fiscalização depois de instalados os centros de inspecção em todo o país. Ora, salvo melhor opinião, a afirmação Demos a possibilidade, significa que há pessoas que tem o poder para aplicar ou não aplicar a Lei. Que a aplicam quando querem e lhes apetece. E que não a aplicam quando não lhes apetece. Quando dessa aplicação nada possa resultar de bom. Para si. Seja, que a governação da coisa pública está a ser feita em função dos interesses mesquinhos e umbilicais de alguns. O mesmo será dizer, do quero, posso o mando. Nesta realidade, perante esta mediocridade camuflada em sabedoria, todos temos o direito à contestação. E, a exigir mudanças. Contestar é um direito soberano.