domingo, julho 22, 2012

Um Estado dentro do Estado

Semanas atrás, fui convidado por pessoa amiga a visitar um condomínio em construção na zona do Zimpeto. Terminada a visita e depois de escutadas as pertinentes explicações e informações por parte do representante dos construtores, um dos visitantes inquiriu, perguntou o preço de cada um dos tipos de apartamentos visitados. Surpresa! Aqui começou a surpresa. É que os preços estavam a ser indicados em meticais. E, perante a questão colocada por um dos visitantes sobre o valor em dólares norte-americanos, a resposta não se alterou. Veio curta mas delicada. Também inesperada: “Nós aqui não vendemos em dólares”. Estava terminada a visita. Também as explicações e os esclarecimentos. E como registo, o facto de perante a tanta ilegalidade em que vivemos, haver quem cumpra a lei. As leis nacionais. Daí a surpresa inicial. Que em circunstâncias normais não têm qualquer razão para existir. Não teria. Surpresa. Também. Outra e de sentido contrário. Na passada terça-feira, informando sobre a construção de 5.000 casas no âmbito do projecto de habitação de Intaka, o “Notícias” (página 3), titulava “Casas podem custar entre 63 e 158 mil dólares”. O matutino de Maputo acompanha a local com bonita foto das primeiras casas-modelo já em fase de conclusão. Dá detalhes vários sobre o projecto e, inclusive, publica uma tabela dos preços das casas apresentada a alguns bancos da praça. Pelo Fundo para Fomento da Habitação (FFH). Obviamente, para financiamento do empreendimento. Uma tabela, como se pode verificar, em dólares norte-americanos. Não em meticais. Embora não seja uma iniciativa, um projecto, um negócio de qualquer empresa estrangeira mas do Estado. Do Estado moçambicano. Como se pode ler: O projecto de construção das 5 mil casas em Intaka é do Estado moçambicano e é liderado pelo Fundo para Fomento de Habitação (FFH), em parceria com uma empresa chinesa denominada (...) num investimento de cerca de 12 mil milhões de meticais. Aparentemente, trata-se de um bonito e belo negócio. Aparentemente, também altamente lucrativo. Para quem, já surge como outra questão. Que seria bom esclarecer. Publicamente. O que se sabe, o que está escrito em letra de imprensa, o que é público é que se trata de um investimento em meticais. Mas que os interessados só poderão adquirir as suas casas em dólares norte-americanos. As chamadas ou alcunhadas de “verdinhas”. Isto, na pátria de Mondlane e de Samora Machel. Em pleno ano de 2012. Se a memória já não trai os mais velhos, foi o actual governo que aprovou legislação segundo a qual a venda de produtos e a prestação de serviços deve ser obrigatoriamente facturada em meticais. Quer o cliente, o comprador, o utente seja moçambicano ou estrangeiro. Se há excepções, não eram claras. Até aqui. Agora, parece que o começam a ser. Ao que se pode verificar, o Estado não se compromete a cumprir com as leis que promulga. E, vais mais longe. Delega competências nesta matéria. De não cumprir o que era suposto ter de cumprir. No meio ou de permeio com tudo isto, parece existir uma complexa rede de cumplicidades e de interesses de difícil compreensão. Há, ou haverá por aqui, algo de espúrio. Para já, o que se pode concluir, sem grande margem de erro, é que estamos perante o início da criação de um Estado dentro do Estado. Ou de empresa empresas majestáticas. Queremos acreditar não haver já espaço para a recriação de companhias ou de empresas majestáticas. Menos ainda para a criação de um Estado dentro do Estado.