sábado, fevereiro 07, 2004

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo
8 de Fevereiro de 2004

antes e depois

Luís David


quem cala consente


Partamos do princípio que não há países ideais. Todos sabemos que assim é. Cada país é o que é. É como é. O nosso, em algumas vezes, parecendo ser o que é e como é, resvala. Deriva. Revela tendências para querer ser diferente. Para parecer em vez de ser. Para parecer ser que é o que não é. É desnecessário elaborar mais. Teorizar mais. Reportemo-nos, então, à realidade actual e presente. Falemos do julgamento, em Pemba, do chamado “caso dos carros quentes”. Mais precisamente da sentença. De uma sentença que absolve todos os acusados de terem vendido ao Estado, ao Estado moçambicano, viaturas de proveniência duvidosa, em estado de conservação duvidosa, por processos mais do que duvidosos. Bem dita seja a justiça que assim pensa estar a fazer Justiça. Mal dita seja a forma de aplicar a Justiça que não se poupa a esforços para cavar a sepultura da justiça em Moçambique. Quer dizer, mais uma vez estamos perante um caso de crime sem criminoso. E, permitam-me, vou mais longe: Interrogo se não terá havido, até, alguma maldade, alguma inveja, em fazer sentar no banco dos réus pessoas que, afinal, se dizem defensoras dos interesses do Estado. Tese a que o Tribunal terá sido sensível. E, por esse motivo as terá absolvido. Mesmo quando a sentença possa vir a ser classificada como a mais radical machadada na Justiça moçambicana. Ou tenha, já, conquistado o direito a figurar nos anais da história Justiça em Moçambique, como forma de não se fazer Justiça.


Caso a sentença do julgamento do chamado “caso dos carros quentes”, de Cabo Delgado, venha a transitar em julgado, venha a ser aceite como boa, certamente irá constituir escola. E, ao constituir escola, ao ser tomada como exemplo e como ponto de referência, algumas questões devem ser colocadas. A primeira, está em saber se, a partir de agora, o Estado, qualquer funcionário do Estado, fica autorizado a adquirir bens de proveniência e qualidade duvidosa para esse Estado, de que é funcionário, sem respeitar as normas a que está obrigado. A segunda, está em saber se, a partir de agora, qualquer empresa sem existência legal pode vender, é livre para vender, o que quer que seja ao Estado. Para vender tudo, ou qualquer coisa, que lhe seja solicitada por um funcionário do Estado. Mais, se não tendo essa empresa existência legal, não pagando rendas nem impostos, o Estado comprou o quê e a quem. E, em última análise, o que acontece a quem pretendendo ter sido vendedor de bens ao Estado, ao Estado moçambicano, não existe. Não tem existência legal. Por fim, saber se o Estado é ou não aliado destas mafias do crime económico organizado e, sendo que não, como pessoa de bem, que medidas tomou ou pensa tomar. Quer-se dizer, para além da responsabilidade criminal, que possa ter havido ou não, na compra dos chamados “carros quentes”, terá havido ou não violação das normas sobre a aquisição de bens para o Estado. Parece que sim. Mas, e aí está o mais estranho, o Ministério do Plano e Finanças mantém o mais silencioso silencio. Como se nada estivesse a acontecer, como se nada estivesse a acontecer com o dinheiro do erário público. Com o dinheiro dos impostos que somos obrigados a pagar. Por certo, sabem porquê. Por certo, há uma justificação para tão prolongado silêncio. E, como é costume dizer-se, quem cala consente.