quarta-feira, maio 03, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Abril 30, 2006


antes e depois

Luís David

ver o país com olhos moçambicanos

Sem que o facto tenha alguma vez sido explicado, analisado, revelamos uma teimosa tendência para exagerar nos números. Uma teimosa, uma perigosa, tendência para aceitar ler e interpretar números de forma defeituosa. Seguindo normas e preceitos que pouco, muitas das vezes nada, têm a ver com a nossa realidade. Seguindo, talvez, critérios de leitura e de análise impostos. E que podem, em última análise, alterar a realidade caseira. Sendo que conceitos e métodos de análise não são estáticos, sendo que estão em permanente transformação, parece necessária e oportuna alguma explicação. Sobretudo em relação aos critérios seguidos em determinadas circunstâncias, em determinados casos concretos. Se assim não for e enquanto assim não acontecer, continuaremos a correr o risco de só conseguir ver o país através de olhos estrangeiros. Os números, as estatísticas, são úteis e são necessárias. Mas, em absoluto, valem o que valem. Valem aquilo que cada um quiser que valha. E, podem, até, valer pouco ou nada. Sequer vale a pena citar casos concretos.


Depois, aquilo que nos dizem ser bom e verdadeiro, aceitamos. Boamente. Somos, de facto, muito bons. Só assim se entende que aceitemos o que parece inaceitável. Que aceitemos o que parece incrível. Aquilo que na nossa realidade e perante a nossa realidade faz pouco sentido. É que, organismos de estatística de vários países realizaram, recentemente, um inquérito ao sector informal nacional que, segundo dados preliminares, emprega doze milhões de pessoas (“Notícias”, 28 de Abril de 2206). O matutino começa por escrever que O sector informal no país emprega mais de 87 por cento dos cerca de 14.401.500 indivíduos com idades superiores a sete anos. E, acrescenta que o informal movimenta um volume de negócios na ordem de dois mil milhões de meticais por ano. Ora, salvo melhor opinião e com o devido respeito, parece haver alguns equívocos. O primeiro, é que trabalho não significa emprego. Ele há pessoas que podem trabalhar uma vida inteira sem alguma vez terem tido emprego. A menos que emprega não signifique empregar. Signifique dar trabalho. Se assim é, ficamos a saber que se pode trabalhar a partir dos sete anos de idade. Mas, mais e pior, ficamos também a saber que, a partir dos sete anos, já ninguém vai à escola. Está tudo no informal. Ora, a forma absolutista e radical como os números são divulgados, cria uma visão deturpada da realidade do país. A menos que haja alguma conveniência, que haja algum interesse muito bem escondido, para classificar o camponês produtor de algodão, de tabaco ou de milho, o criador de bovinos ou de caprinos, o produtor de carvão e o pescador, como informais. Se assim é, este país é, na sua essência e ele próprio, um país informal. Ora, seja ou não difícil e doloroso, temos de nos habituar a ver o país com olhos moçambicanos.