sábado, maio 27, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Maio 28, 2006

antes e depois

Luís David


mais do que meros números


“Duas datas marcaram vincadamente o século XX: 1914 e 1945. A primeira data marcou o início da chamada Grande Guerra – um dos mais absurdos conflitos na história humana. Esses quatro anos de combates deixaram dez milhões de mortos e um número muito maior de mutilados e doentes mentais. Também se apoderaram de uma Europa próspera e em franco progresso e deixaram-na prostrada. A tragédia reside na estupidez de reis, políticos e generais que desejaram e avaliaram de forma errada as proporções que o conflito iria assumir e a simplória vaidade de pessoas que pensavam que a guerra era uma festa – um caleidoscópio de vistosos uniformes, coragem masculina, admiração feminina, desfiles de moda e a alegre despreocupação da juventude imortal.[As guerras coloniais deviam ter servido como uma advertência, mas o uso de armas automáticas e de repetição contra “selvagens” deixou intacta a confiança do homem branco. Entretanto, a guerra dos Bóeres na África do Sul, onde os Britânicos sofreram terríveis baixas, devia ter insuflado um prudente temor. Nada disso: uma década depois, a mortandade causada pelas metralhadoras nos campos da Flandres parece ter sido recebida como grande surpresa. Comandantes obtusos calcularam com impecável lógica que venceria o exército que mantivesse os seus soldados de pé e a atirar até ao fim. Os generais obtiveram promoções, medalhas e estátuas, normalmente equestres. Os seus homens morreram na lama.”


O texto acima transcrito abre o capítulo 27 (pag. 523), de “A Riqueza e a Pobreza das Nações – Porque são algumas tão ricas e outras tão pobres”, da autoria de David S. Landes. Trata-se, naturalmente, de uma obra que nos faz viajar ao longo de vários séculos. E que se apresenta hoje, mais do que nunca, de extrema utilidade. Principalmente, quando teimamos em ignorar fenómenos que nos estão próximos. Ou quando pretendemos transformar o nosso desejo em realidade e damos importância ao que significa pouco mais do que nada. Digamos que, em última análise, estamos perante uma obra de leitura obrigatória. Não só para quantos lidam e trabalham com questões ligadas ao desenvolvimento, mas, também e especialmente, membros de organizações não governamentais. Como princípio, como base para a compreensão de que não são projectos isolados que motivam o desenvolvimento de um país. Tão pouco apenas dinheiro ou donativos. Que, se úteis e necessários, apenas mitigam situações ocasionais, apenas podem resolver problemas conjunturais. Pouco mais do que isso. Talvez nada mais do que isso. Desenvolvimento exige, naturalmente, planos concertados e concentrados. Resultantes ou que vão ao encontro de uma vontade e de uma motivação internas, nacionais. O desenvolvimento pode fazer-se com ajuda, pode requerer ajuda externa. Mas é, inevitavelmente, um processo interno. Um processo que não pode ser feito de fora para dentro. E cujos resultados não se situam apenas no terreno das percentagens. Consistem em mais do que meros números.