terça-feira, maio 09, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Maio 7, 2006

antes e depois

Luís David


cuidado com os abutres


O termo corrupção aparece com relativa frequência na nossa linguagem. Na linguagem do dia-a-dia, na linguagem de todos os dias. Mas e infelizmente, na maioria dos casos, a corrupção doméstica continua sem produzir corruptos. Será, em última análise ou em última instância, um fenómeno híbrido. Pelo menos, assim o parece querer fazer acreditar quem defende que não há corruptos sem corruptores. O que é verdade. Como verdade é o inverso. Como é verdade que não há corruptores sem corruptos. Ora, a afirmação primeira, a firmação de que não há corruptos sem corruptores, encerra, à partida, um perigo. O perigo de constituir não só o primeiro passo para a aceitar a corrupção mas a aceitação, implícita, da conivência com os corruptos. Pode até ser, em última análise, a forma acabada para legitimar a corrupção. Mesmo sabendo e sabendo-se que se corrupção representa um custo ou um prejuízo para o cidadão, em nada ou em caso algum pode beneficiar o Estado. Pode, na generalidade dos casos, ter reflexos, maiores ou menores, nas receitas públicas. Logo, no geral, todos os cidadãos saem prejudicados.


Temos de concordar que, não raras vezes, o combate à corrupção começa e acaba no discurso oficial. Ou que os resultados das acções desencadeadas não são conhecidos, não são divulgados. A menos que o termo corrupção se preste a uma interpretação de tal forma lata, que não tenha para todos o mesmo sentido. O mesmo significado. Ou que situações que conhecemos, directa ou indirectamente, devam ser definidas como extorsão ou, em última análise, como tentativa de. Desta forma, estaríamos perante casos de corrupção por extorsão. Que os há por aí. Deitando, assim, por terra a tese que não há corrupto sem corruptor. Ora, são conhecidos e corriqueiros os casos das multas sobre infracções ás regras de trânsito. Assim como estes assuntos são resolvidos no local da infracção. Algumas vezes provocadas pelo próprio agente. Como, por exemplo, acontece num dos cruzamentos da Avenida 24 de Julho. Onde uma peanha, aparentemente abandonada, não passa de uma “ratoeira”. É que o agente, que devia regular o trânsito, está metros à frente a mandar parar quem não efectuou a viragem como ele pretendia. Depois, as multas devem ser tantas que seria interessante conhecer as receitas cobradas a favor do Estado. Ou se sequer há controlo sobre o livro de multas. Ora, também há situações, também há casos, bem diferentes. Digamos, mais sofisticados. E, nesta segunda categoria, podem enquadrar-se aqueles que levam o cidadão a recorrer a um qualquer serviço público. Para obter um qualquer documento. Pior, mas muito pior, quando se trata de documento para aceder a benefício concedido pelo Estado. Não que o Estado, como Estado, conceda e não queira entregar o que concedeu. Não é isso. O que parece estar a acontecer é a existências de funcionários que se sentem no direito de partilhar o benefício concedido. E vai daí, ensaiem todo o género de jogadas, todo o género de manobras, para demorar para retardar o processo. Sempre e invariavelmente com recurso às desculpas mais esfarrapadas ou mais exóticas. Num processo que se arrasta por meses. Que chega a demorar mais de um ano, segundo afirma quem está por dentro do assunto. É que, primeiro, a verba já está esgotada. Depois, cerca de dois meses depois, após deslocações e perdas de tempo evitáveis, o mais difícil já está feito. Só falta o director assinar. Venha para a semana. Mais tarde, afinal, nem tudo estava bem: O computador de outra entidade, maldito do computador, não imprimiu as últimas linhas de um documento. É preciso outro. Substituído que foi, parecia que tudo estaria bem. Finalmente. Mas, não, ainda não. O director, para assinar, necessitava de mais um parecer do director que emitira o documento inicial. Algumas semanas mais tarde, o tal parecer fez-se presente. Então, é quando surge nova informação: Parece que a verba já está esgotada. É claro que não estava. Mas tinham passado oito meses desde o início do processo, com alguns recados bem claros pelo meio. Do género: “O chefe acaba de telefonar a dizer que fulano veio falar com ele”. Resposta: “Outra vez? Isso é só para dizer que falou com o chefe. Não adianta nada”. Ora, saber se estamos perante casos de corrupção ou de extorsão, é pura retórica. Mas, cuidado com os abutres.