sábado, julho 08, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique, no Jornal Domingo de Junho 11, 2006

antes e depois

Luís David


uma atitude irrepreensível.


Foi há quatro décadas. A Sociedade Portuguesa de Escritores premiava “Luuanda”, de Luandino Vieira. Salazar, homem pouco dado a coisas da cultura, não terá gostado da brincadeira. É que, para além de outros prováveis motivos, o laureado encontrava-se preso no Tarrafal. Por motivos políticos. Vai daí, mandou dissolver a referida sociedade e prender alguns dos membros do júri. A decisão do ditador bem poderá ser sido um, mais um, erro. É que, bem poderá ter fomentado o desejo em possuir o livro, como coisa proibida. E fomentou. Como chamou a atenção e deu nome a um escritor encarcerado. Nome e, possivelmente, mais força para continuar a escrever. Ora, hoje, passados mais de quarenta anos, o autor de “Luanda” é confrontado com nova realidade. E, ao que parece, para alguns, volta a ser incómodo. Não terá gostado que lhe tenham atribuído o “ Prémio Camões”. Recusou. As razões, são suas. Pessoais. E, a ninguém assiste o direito de as negar. Seja a que pretexto for, seja com o argumento que seja. Em última análise, pode dizer-se que a recusa é o reflexo de uma maneira de ser e de estar. Ou, entrando no campo da especulação, que reflecte um posicionamento político.


Muito naturalmente, a recusa do escritor angolano em deixar-se premiar levantou celeuma. Parece, até, ter criado embaraços aos promotores do prémio. Pois, bem se vê, não é todos os dias que aparece alguém a recusar cem mil euros. Sequer a recusa está prevista em regulamento. Logo, vem ao de cima a mentalidade mercantil. Começam as dúvidas e as conjecturas sobre o destino a dar ao dinheiro. Ora, e esta parece ser a questão de fundo, o escritor não recusou o dinheiro. Recusou, isso sim, o prémio. Acaso houvesse aceite receber o dinheiro para, depois, o doar a qualquer instituição, implicava aceitar o prémio. E o que Luandino disse sem dizer, foi que não queria o prémio. Que não aceitava o prémio. Está no seu pleno direito. Até é muito provável que outros tivessem gostado, antes dele, de ter assumido idêntica posição. Que, no plano da ética, parece uma atitude irrepreensível.