sábado, julho 08, 2006

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Julho 9, 2006


antes e depois

Luís David


nada será como dantes


Há alguns meses, tive necessidade de fazer um exame médico. De uma das clínicas da cidade, enviaram-me para o serviço competente no Hospital Central de Maputo. No dia e na hora marcados, lá fui. Enquanto aguardava para ser atendido, aproxima-se de mim alguém com quem não cruzava desde há muito tempo. Ar jovial, sorriso aberto, pergunta: “Já não se lembra de mim?”. “Claro que lembro”, respondo. E, como que a tentar provar que me lembrava de verdade, concluo: “Tanta vez tomávamos café juntos, no Lobito, andava você na Faculdade de Medicina”. E, como que a provar não ter estado parado durante todos estes anos, remata: “Pois, desse tempo, hoje somos todos cirurgiões”. Ora, ao falar “desse tempo”, o meu amigo estava a referir-se aos finais dos anos setenta. Nesse tempo, o café Lobito, que ainda hoje existe, ali na Eduardo Mondlane, funcionava um pouco como centro social do Ministério da Saúde. Mas era, também, frequentado por alguns jornalistas da Revista “Tempo”. De passagem para a Faculdade de Medicina, ali paravam, também, alguns estudantes. As mesas eram poucas, o espaço reduzido. Este condicionalismo ajudava ao convívio, à convivência, à conversa sobre os assuntos mais diversos. É que cada um, ao chegar, sentava-se na mesa onde havia cadeira vaga. Quando havia. Recordo que, entre os frequentadores habituais do Lobito, havia também alguns timorenses. Um belo dia, a conversa girava em torno de curso e de trabalho, de emprego. Foi quando, em tom de brincadeira, talvez em tom de provocação, alguém perguntou a um a dos refugiados daquela colónia portuguesa: “E tu, quando concluíres o curso, o que pensas fazer?”. A resposta, certamente impensada, veio rápida e curta: “Quero ser cooperante”.


Foi no dia 22 de Junho passado que Xanana Gusmão dirigiu uma “mensagem à nação, em tétum, na sua qualidade de Presidente da República de Timor-Leste. Trata-se de uma intervenção pública, feita em plena crise institucional, da qual o “Savana” publica, na sua última edição, excertos traduzidos para português. Um texto que merece, sem dúvida, leitura atenta. Talvez, mais ainda, estudo aprofundado. Dado que, ao que perece, terá sido esta a primeira vez que as profundas divisões entre timorenses foram tornadas públicas. E, conclusão imediata e primeira, é que é bem fácil criar um Estado, mas bem mais difícil construir uma nação. Aqui, neste caso, com a agravante de que não sendo Timor-Leste, ainda, uma nação, o seu Estado é frágil. Depois dos últimos acontecimentos, poderá ter ficado, ainda, mais fragilizado. Logo, a democracia pode estar, pode ter sido colocada em perigo. Se democracia é coisa boa ou má, faz parte de uma outra discussão. O que não parece discutível é falar em democracia e não querer aceitar as regras da democracia. O que é difícil de entender é como uma geração de homens, que se reclamam de patriotas, não conseguem chegar a uma plataforma de entendimento. Não conseguem criar uma base de entendimento e uma plataforma de unidade nacional para, a partir daí, começarem a construir a nação timorense. País pobre, pequeno, com pouca população, Timor-Leste, é a realidade que é. Não pode ser governado de fora, mas também não é possível dividir metade de uma ilha. Neste contexto, que é o da realidade nacional, e no contexto da realidade asiática, quantos enviados especiais aterrarem em Dili, mais fácil será ultrapassar a crise. Com uma certeza, porém: Depois de 22 de Junho de 2006, nada será como dantes.