sexta-feira, janeiro 12, 2007

Publicado em Maputo, Moçambique no Jornal Domingo de Dezembro 24, 2006

antes e depois

Luís David


agir em defesa do interesse nacional

De Moçambique disseram os primeiros navegadores portugueses aqui chegados, ser “terra da boa gente”. Os chamados descobridores. Aqueles a quem os brasileiros, modernamente, talvez tentando esvaziar a carga política e ideológica ao termo descobridor, chamam de achador. Que se faça, que se proceda de acordo com a vontade destes também achados. Mas, a expressão “terra da boa gente”, ao que parece, inicialmente, aplicada apenas ao gentio, ao indígena de Inhambane, tendeu a generalizar-se. De tal forma, que se a expressão ganhou direito de cidadania. E agora, há pouco tempo, neste ano da graça de 2006, aqui veio o primeiro-ministro de Portugal a nos dizer que, afinal, somos todos “boa gente”. Foi isto, aconteceu isto, aquando da passagem formal do controlo de Cahora Bassa para a autoridade moçambicana. Quer dizer, no dizer do colonizador, o ciclo infernal da colonização terminou exactamente como começou: Com sorrisos e abraços entre descobertos e descobridores, entre achados e achadores, entre dominados e dominadores, entre escravos e senhores. De resto, Portugal sabe-o perfeitamente, possa ou não constar nos seus manuais de história, só quando forçado a cumprir as decisões da Conferência de Berlim se aventurou para além das baías e enseadas, para além da costa oceânica. E neste esforço ou deste esforço, então sim, terá verificado que nem toda a terra era “terra da boa gente”. Mas, está bem, para encerrar, definitivamente, o ciclo colonial e acabar para todo o sempre com a ilusão fantasmagórica do Quinto Império, foi um frase bonita. Embora possa ter parecido canhestra, retardada, retirada das memórias do caixote do lixo da história. Mas, enfim, as pressões para libertar Portugal deste último símbolo colonial do período fascista, deverão ter sido muitas. Deverão ter sido, até, maiores do que o hipotético desejo dos descendentes dos achadores em conhecerem onde fica Tete, onde se situa Songo, o que é isso a que chamam de Barragem de Cahora Bassa. E nesta ignorância, neste possível desconhecimento, valha a verdade dizer não são únicos, sequer estão sós. Salazar também não soube. Por nunca ter visitado África.


Ora, nestes tempos actuais, parece não ser só Portugal a achar ou a descobrir que Moçambique é “terra de boa gente”. Não. Quer dizer, sim. É que há por aí uma filigrana de patuscos arrivistas das mais diversas origens e proveniências. Todos eles, igualmente, aguardando que, um qualquer dia, os venham a chamar de achadores ou de descobridores. Poderá parecer exagero dizer que a história se repete, que a história está a repetir-se. Mas, a verdade, é que estamos perante uma nova vaga de aventureiros e de criminosos, perante a invasão de hordas de pilantras, quais sanguessugas que todos sabemos serem o que são e o que pretendem. A sua origem é diversa e diversificada. Vindos da Europa, das américas, do continente asiático, da própria África, aqui afluem animados por encontrar a chamada “terra da boa gente”. Que já não existe. Ou, que só existe no discurso passista. No discurso saudosista em tempo do desmoronar do último bastião do colonialismo. Em última análise, na cabeça de alguns oportunistas. Do Niassa foram, recentemente, expulsos milhares de garimpeiros ilegais. Outros, tantos outros ilegais, ocupam terras, exploram riquezas que, muitas das vezes, são negadas a nacionais. Em Maputo, pouco dias atrás, grupos rivais de cidadãos chineses resolveram as suas contradições com recurso à violência. No rescaldo do conflito, ficou a saber-se que alguns tinham armas de fogo. Mas, também que não eram reconhecidos pela embaixada da China. Da nossa Polícia, sobre a ocorrência, ficámos a saber pouco mais do que nada. Melhor, nada em absoluto. Não nos deixemos adormecer à sombra da colonialista expressão “terra da boa gente”. Basta de paralisação e de inércia mental. É preciso acordar. É preciso agir em defesa do interesse nacional.