domingo, agosto 24, 2008

um escândalo nacional

Trata-se de um fenómeno universal. Como o da fome. Aquilo que as crianças aprendem, nos primeiros anos de vida, em casa, com a família, esquecem. Quando entram na escola. A escola, quando a criança aí chega, providencia-lhe como que uma lavagem ao cérebro. Tenta apagar o que ela sabe. E, não dá continuidade ao seu saber e ao seu saber fazer. Não incentiva as suas tendências. Não procura valorizar nem investigar o que a criança tem de diferente. Nem de melhor. E, incentivar a diferença. Valorar e valorizar a diferença. Não. O que a escola tenta fazer, o que a escola faz com exemplar mestria, é mediocrizar. Mediocrizar o diferente, mediocrizar o génio. Fazer baixar o génio ao nível do sofrível. Quando não ao nível do medíocre. Por isso ou para isso, servem os planos e programas de ensino objectivamente medíocres. Neste campo, Moçambique pode não ser apontado como pioneiro. Mas, é exemplo. De resto, ao que se diz, latim e português arcaico a ninguém aproveitam. Como se diz que a criança, o estudante moçambicano é forçado a decorar matérias de valor nenhum e de utilidade nenhuma. Na sua vida prática. Por isso, assim parece, os resultados estão à vista. Acresce, que não se incentivam vocações nem o gosto pelo trabalho. Por uma profissão ou por uma carreira. Criam-se e alimentam-se, isso sim, mentalidades distorcidas. Daí, o síndroma do diploma. Pelo chamado canudo. Que as universidades, principalmente as públicas, têm o dever de ser as primeiras a combater.

Com “Resultados péssimos”, o “Notícias” de 15 do corrente titulava a sua principal local, referindo-se aos exames extraordinários. E, acrescentava que “Dos 44.525 avaliados da 12ª classe, apenas 21 por cento foi aprovado. Ao que parece, aqui, não estamos perante um desastre ou uma calamidade natural. Estamos, isso sim, perante um escândalo. E um escândalo, só, e só, nacional. Porque é escândalo nacional que, desses mais de 44 mil estudantes adolescentes e adultos, apenas pouco mais de nove mil tenham obtido notas para passar de ano. Quer dizer, de forma clara, os nossos impostos, os impostos que pagamos ao Estado, estão a ser mal geridos. Estão a ser geridos de forma manifestamente incompetente. E, perante a realidade dos números, importa tirar uma conclusão. De entre várias e muitas hipóteses possíveis. A primeira, é de que os estudantes não estudam. Que vão à escola apenas por ir à escola. A segunda, é a de que os programas de estudo não estão adequados à realidade nacional. A terceira, é a de que os professores não estão capacitados para ensinar as matérias que devem ensinar. Objectivamente, sejam quais possam ser as causas de um tão elevado número de reprovações, estamos perante um escândalo. E, este é um escândalo nacional.

domingo, agosto 17, 2008

os nossos interesses são os interesses do camponês moçambicano

Desde há muito anos que se fala na perda de parte da produção agrícola pelos camponeses. Quer dizer, os camponeses produzem. E, produzem para além das suas necessidades alimentares. Para além das suas necessidades alimentares básicas imediatas. Mas, depois, não possuem nem meios nem conhecimentos para conservar por longos períodos o excesso da sua produção. Seja ela qual seja. Assim como não conseguem fazer chegar esses seus excedentes agrícolas a outras e diferentes zonas do país. Seja devido à ausência ou ao mau estado das vias de circulação. Seja por motivo da falta de meios de transporte. Seja, ainda, que para além de uns e de outros, o preço do mercado é baixo. O preço no mercado de destino não compensa, não paga, não suporta os custos da produção. Por este e, provavelmente, por outros motivos, em algumas regiões do país há produção em excesso. E, que se estraga. Em outras, poderá haver fome. Há mortes devido à fome, em certas regiões do país. O que indicia estarmos perante um processo distorcido. Se assim, produzir mais, aumentar a produção é igual a perder mais dinheiro. Em termos de matemática, a lógica do camponês é inatacável. Por estes e, provavelmente por outros motivos, em algumas regiões do país a produção agrícola pode reduzir. Estamos, ao que parece, perante realidades antagónicas. O mercado, como todos o sabemos, não é perfeito. Logo, cabe ao Estado assumir o papel de regulador. Cabe ao Estado, seja através da garantia do preço de compra ao camponês, seja através de subsídios ou de isenções possíveis, tornar o preços dos produtos agrícolas competitivos e que compensem o esforço do camponês nacional.


A perda de excedentes agrícolas nacionais, situa-se em números alarmantes. Segundo o jornal “Notícias” (13 de Agosto corrente), o país perde, anualmente, um milhão de toneladas de comida. Produzida internamente. Com muito esforço. E, por certo, muito sacrifício. Esta quantidade de comida perdida representa cerca de 40 por cento da produção total do país. E do trabalho e do esforço de cerca de 3,7 milhões de camponeses. Trata-se, como se pode verificar, de números impressionantes. Talvez, até, chocantes. Mas que sendo verdadeiros, e tudo indica que sim, nos transportam para outra realidade. Ou, se assim se preferir, para uma outra dimensão da realidade nacional. A de que o problema de Moçambique não é um problema de produção. Que o problema da eliminação da fome não assenta, unicamente, no aumento da produção agrícola. Tem outros vectores, não menos importantes. O primeiro, passa por eliminar o conceito negativo de combate à pobreza. E criar e alimentar o conceito positivo de criação de riqueza. É que todos queremos ser ricos. Pelo menos queremos, hoje, viver melhor do que vivíamos ontem. Através do trabalho honesto. O segundo, é o que de parece esgotada toda a falácia que por aí se houve em nome do camponês. Que é tempo de deixar de se falar em nome do camponês. Para dar a palavra ao camponês. Em substituição do tempo de palavra que se dá, em salas com ar condicionado, a representantes de OGN´s. A que, como todos sabemos, o camponês não tem acesso. Nem, ao que se saiba, alguma vez manifestou interesse em ter. Este dualismo, esta dualidade, implica, obrigatoriamente, uma decisão. Que pode ser dolosa para quem tem o poder e o dever de decidir. Para decidir se opta pela continuação de projectos dispersos ou pela execução de um plano nacional. Que convenha aos interesses nacionais. Tenhamos que ao discurso de ocasião, se sobrepõem os interesses nacionais de longo prazo. Aqui residem os interesses do camponês nacional. E, os nossos interesses. Porque, os nossos interesses são os interesses do camponês moçambicano.

domingo, agosto 10, 2008

A “revolução verde” implica a participação do camponês

Por vezes, por dias, em certas ocasiões, parece difícil escrever. Se escrever significa dizer coisas novas, diferentes, originais. Então, se não há, se não existe essa disposição, se não há essa capacidade, resta recorrer a quem sabe mais. A quem viveu, estudou e investigou. Mais. É o caso do repórter polaco Ryszard Kapuscinki, falecido no início de Janeiro de 2007. Do muito que escreveu, principalmente sobre África, conheci, li agora “Os Cínicos Não Servem Para Este Ofício – Conversas Sobre o Bom Jornalismo”. A primeira edição em língua portuguesa tem a chancela do Relógio D´Água, e é datada de Fevereiro de 2008. O curioso, talvez o mais curioso, é que tratando de um livro sobre jornalismo, também é um livro sobre África. Sobre os problemas de África. Ou de como o jornalismo, sobretudo o mau jornalismo, deforma a visão dos problemas reais de África. Ou, para ser mais claro e concreto, dos pobres de África. Ainda estamos na introdução ao livro a já Maria Nadotti escreve, em termos de dúvida. Talvez de provocação: Quem acredita na objectividade da informação, quando o único relato possível é “pessoal e provisório” (pag. 18)


Em resposta a uma questão que lhe foi colocada, o repórter responde (pag. 74): A meu ver, o desaparecimento do mundo camponês do globo é um dos grandes paradoxos do mundo contemporâneo porque produzimos uma quantidade de alimentos cada vez menor para uma população em contínuo crescimento. A eliminação do mundo camponês é um fenómeno sócio-económico à escala mundial, consiste num acto suicida global. O meu campo é África e posso dizer que se trata de um processo tipicamente suicida a que a humanidade por vezes se abandona: o continente que tem cada vez menos alimentos e cada vez mais habitantes está a eliminar a classe camponesa e está a fazei-lo muito rapidamente. Com efeito, uma grande parte da humanidade vive das ajudas, e com estas ajudas que estamos a enviar para o Ruanda e para outros países, estamos a criar uma situação trágica: uma classe parasita de refugiados à escala mundial, que são afastados das suas aldeias, dos seus campos, do seu gado, colocados nos campos de refugiados e alimentados pelas organizações mundiais – muitas delas são completamente corruptas – onde vai parar o nosso dinheiro e os nossos impostos. E, mais adiante: Estamos a criar, através deste louco mecanismo das chamadas organizações humanitárias, um problema enorme para a humanidade, eliminando a classe camponesa e tornando a classe camponesa cada vez mais dependente da burocracia das chamadas organizações humanitárias. Talvez seja útil acrescentar que durante os últimos 5.000 ou 7.000 anos de história escrita vivemos uma única história, que criámos e na qual participámos. Mas desde o desenvolvimento dos meios de comunicação, na segunda metade do século XX, estamos a viver duas histórias diferentes: a verdadeira e aquela criada pelos meios de comunicação. O paradoxo, o drama, o perigo residem no facto de que conhecemos cada vez mais a história criada pelos meios de comunicação e não a verdadeira. Por isso, o nosso conhecimento não se refere à história real, antes à história criada pelos meios de comunicação. O que, concluamos, sendo verdade é mau. É péssimo. Quando estamos, como estamos, como se terá percebido que estamos, a elaborar sobre a “revolução verde”, parece importante deixar claro dois aspectos: O primeiro, é que a “revolução verde” nunca poderá ter sucesso através da simples repetição do discurso do Presidente da República. Primeiro, pelos governadores provinciais. Depois, pelos administradores. E, por aí em diante. A “revolução verde” não se faz, nunca haverá de ter sucesso, através da repetição mecânica do discurso do chefe. Não se faz, nunca poderá ser feita, em nome do camponês. A “revolução verde” implica a participação do camponês.

domingo, agosto 03, 2008

os erros políticos podem ter custos eleitorais

Os números são impressionantes. Para não dizer preocupante. E foram revelados ao Presidente da República. Durante a sua recente visita a Tete. Só nos primeiros meses de 2008, terão sido detectados cerca de 1.500 migrantes ilegais. Na província. Provenientes de onze países de África e da Ásia. Extrapolando os dados, mas sem especular. Muitas mais centenas de ilegais devem ter entrado no país por outras fronteiras. De outras províncias. Muitas outras centenas de ilegais podem estar a viver em Moçambique. Convindo que os motivos para essa vinda, para esse atravessar clandestino das nossas fronteiras, não foram motivos de ordem política, impõe-se uma reflexão. Séria a profunda. Realista. Não política. Por forma a saber e a saber-se se estes ilegais constituem ou não elemento destabilizador da sociedade moçambicana. A nível social. Mas, também, económico. Sabemos, por ser público, que muitos dos ilegais se entregam à exploração de ouro, de pedras preciosas, de diamantes, de madeira. E ao seu contrabando. Não punir, não sancionar quem nos rouba, quando se conhece o ladrão, é perigoso. É abdicar do Poder. É abdicar do Poder do Estado. E, em alguns momentos, o Estado parece estar a abdicar do seu Poder. Parece manifestar o receio de ser e de ter de ser Estado. Ora, o poder do Estado emana, sempre e em última análise, do Soberano. Quem manda no Governo, quem coloca e mantém o Governo é o Soberano.


Na cidade de Maputo, cidade capital do país, capital da República, a violência criminosa parece ter adquirido novos contornos. Parece ter atingido novos patamares. Mais elevados e mais sofisticados patamares. Perante a passividade policial. Perante uma preocupante passividade policial. Perante a inércia policial. Ao que se sabe, ao que é público, estamos, hoje, perante crimes selectivos. Estaremos perante raptos para extorquir dinheiro. Estamos perante raptos de pessoas supostas de ter poder económico ou político. Estamos perante aquilo a que, em qualquer parte do mundo, se chama de terrorismo urbano. E estamos, também, na realidade, perante polícias que para combater esta nova forma de crime têm ideias poucas. Mais exactamente, ideias nenhumas. E que sequer nos dizem, que sequer nos aconselham, por não saberem ou por não quererem dizer, que cuidados devemos tomar. Quando andamos a pé. Quando estamos a conduzir uma viatura. Que cuidados devemos tomar para não sermos alvos dos bandos criminosos. A quem devemos telefonar. A quem devemos pedir ajuda. E, como. O crime organizado tem, hoje, ao seu dispor todos os novos meios de comunicação. As polícias poderão ter nem tanto. Mas, ao que parece, fizeram opções erradas. Traçaram objectivos errados. Estão muito preocupadas com o combate ao vendedor de esquina, ao vendedor do informal, e negligenciaram o apetrechamento para o combate ao crime organizado. O que pode ter sido um erro político. E os erros políticos podem ter custos eleitorais.

domingo, julho 27, 2008

Fica a dúvida se nem sempre o que parece é

É facto que nem sempre o que parece é. Que não é suficiente parecer para ser. Que pode parecer e não e não ser. E que pode ser sem parecer. . Ou ser e não parecer. Assim, ser e parecer, serão questões distintas. E, sem serem opostas também não serão afins. Confluentes ou coincidentes. Apenas distintas. Talvez, até, independentes. A questão que se coloca, a questão que fica por saber, é se o muito parecer pode indiciar ser. Se a repetição constante do parece, pode indiciar o é. O que é. Se o tanto parecer, indicia camuflagem e máscara. E subterfúgio do é. Neste caso, nesta preposição, o é antecede o parece. O é, é. Tem existência própria. Existe. Antes, depois e para além de. Ao contrário, o parece será a visão subjectiva do é. Subjectiva e à posteriori. Sem se aceitar que existe um é, não será possível afirmar que nem sempre o que parece é. Ou, que não é. Independentemente de parecer ou de não parecer, o é não permite alternativas. Não há alternativas ao é. Ou é, ou não é.


Ele há inquéritos e há inquéritos. Há investigações e há investigações. Que podem, muito bem, ser todos magistralmente conduzidos. E, tecnicamente exemplarmente realizados. Honestos e intocáveis nos planos da ética e da moral. Mas cujas conclusões, em alguns casos, nos trazem muitas dúvidas e deixam certeza nenhuma. Que não nos trazem nenhuma tranquilidade. Estamos a falar sobre casos concretos. Sobre casos reais e concretos. E recentes. Primeiro, do caso dos jovens que vinham do norte para o sul do país. A pretexto de virem estudar. Transportados num camião. Sem um mínimo de condições. Ou em condições desumanas. Depois, foi o grupo dos outros tantos jovens. Que viviam no Bairro do Triunfo, cidade de Maputo. Que o Tribunal comprovou terem sido maltratados por dois cidadãos turcos. A viverem ilegalmente em Moçambique. Agora, por fim ou por agora, há o caso dos oito cidadão indianos a trabalharem ilegalmente no país. Suspensos pelo Ministério do Trabalho (Notícias de 22.07.08.). Coincidência ou não, factor comum a todos os três casos, é o de se tratar sempre de homens. Coincidência ou não, é o facto de aos três casos aparecer associado o nome da Associação Muçulmana de Moçambique. Com uma participação pouco clara e, nunca devidamente esclarecida. Nem desmentida. Fica a dúvida se nem sempre o que parece é.

domingo, julho 20, 2008

A violência institucional só adia a resolução dos problemas sociais

Tem vindo a ficar claro, ao longo dos últimos anos. Um pouco por todo o país, principalmente em alguns dos maiores centros urbanos, existe uma grande antipatia pelos vendedores informais. Em especial, pelos chamados vendedores de esquina. A nível da cidade de Maputo, essa antipatia é visceral. É fanática. É mórbida. Nunca terá sido colocada em questão a origem dos produtos e artigos em venda. Ao que parece, pouco importa se se trata de produtos e artigos roubados. Ou não. O problema, ao que parece, pelo que se pode ver, está no espaço ocupado na venda. E pelos vendedores. Em abono da verdade, já assistimos, em diferentes artérias de Maputo, a cenas chocantes. Repugnantes. Nojentas. Em que agentes da chamada Polícia Municipal se limitam a retirar produtos dos passeios para cima de viaturas em que se fazem transportar. Sem passarem recibo os produtos apreendidos. Sem qualquer explicação, verbal que seja, para a sua atitude. Para, depois, arrancarem a alta velocidade. Para, depois, arrancarem a alta velocidade. Perante o olhar surpreso, perante o desespero dos vendedores. Normalmente vendedoras. Algumas com crianças pequenas nas costas. Perante, repita-se, a impotência perante a ilegalidade e a injustiça. A prepotência.

Maputo é, hoje, uma cidade que alberga, muito provavelmente, mais de dois milhões de seres humanos. Muitos, vivendo na pobreza. No limite da pobreza. Sem emprego e sem trabalho. Sendo que emprego é, hoje, um bem cada vez mais raro. E, trabalho nem sempre é fácil conseguir. Face ao dilema que se lhes coloca de como sobreviver, a solução mais fácil, mais imediata, mais ao seu alcance para sobreviver, é a de comerciar. Comprar aqui por dez, pedir quinze ali, vender por onze ou doze mais além. Se assim, teve sucesso, registou lucro. Em termos de lógica, quantas mais operações simples, digamos simplórias, o vendedor realizar, maior o seu lucro diário. E, menor será o sofrimento da fome. Há muitos países, um pouco por todo o mundo, com os mesmos problemas de desemprego que o nosso enfrenta. Aí, foram criadas condições para vender nos passeios e em muitos outros locais públicos. O recurso e o apoio à utilização de bancas tipo “harmónio” ou tipo “tesoura”, teve sucesso. Falamos de bancas leves e flexíveis que os vendedores levam consigo, ao fim de cada dia, juntamente com os artigos não vendidos. Perante uma realidade mundial de falta de emprego, tem havido uma preocupação de evitar convulsões sociais. Entre nós, parece continuar a haver alguma dificuldade em compreender os fenómenos sociais. E, assim, que se continue a recorrer à repressão e à violência. Exemplo acabado dessa falta de compreensão e de entendimento, é o posicionamento do comandante da Polícia Municipal da Cidade de Maputo. Que segundo o jornal “Notícias” (edição de 10 de Julho) vai introduzir o uso da unidade canina, uma das unidades auxiliares para fazer face aos vendedores ambulantes (...). Parece oportuno deixar claro, que problemas de fome e de pobreza não se resolvem através da repressão nem da violência. Seja a violência humana, seja a violência policial ou canina. A violência não resolve os problemas sociais. A violência institucional só adia a resolução dos problemas sociais.

domingo, julho 13, 2008

Uma língua de combate e uma língua de ruptura

Tem vindo a alimentar alguma polémica. Digamos que esquentados monólogos, cá entre nós, o futuro Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. Hei de afirmar que, desde o início, desde o princípio da discussão sempre fui contra o dito. Ou, o maldito cujo. Este posicionamento manifestei, passam muitos anos, pessoalmente, a Luís Filipe Pereira. Primeiro negociador, primeiro negociante, moçambicano, do desditoso. Ou, do malditoso. Aquando, depois do seu regresso, logo após haver retornado da pátria do “Tira Dentes”. Onde, algures, tiveram lugar as primeiras conversações. Ou, talvez e por melhor dizer, as primárias negociações para unificar a ortografia da língua que todos nós falamos. E, escrevemos. Uns bem, outros mal. Outros, nem bem nem mal. Talvez a maioria. Dizer aqui, sem receio de desmentido, que uma língua pode ser língua de unidade nacional. No interior de um país. Onde está em processo a construção de uma nação. Mas que uma língua não é, nunca foi e, por hipótese, alguma vez haverá de ser instrumento de unidade entre países separados pela geografia. Distante no espaço, dispersos pelos continentes. Por tudo quanto é continente.


Em termos de presente, terei de dizer, com toda a humildade, que mudei de ideia. De ideias. De opinião. Depois de ter lido na última edição do “Magazine” o texto com o título “Este combate não é nosso”, concordei. E, disse de mim para mim, possivelmente lavrando em erro, que se o combate não é nosso estaremos perante um vitória sem adversário. Porque, ao que se sabe, não houve reunião ou seminário, restrito ou alargado, sobre o dito, talvez maldito, Acordo. Para discutir, abertamente, as diferentes vertentes do famigerado Acordo. O que têm de positivo. O que têm de negativo. Provavelmente, serão até nenhumas. Muito provavelmente, e é aqui que parece residir o ridículo de toda a questão, a partir de determinada data os computadores deixarão de nos fornecer dois correctores de textos. Deixará de haver sistemas de correcção para português do Brasil e para o português de Portugal. Haverá, apenas um versão. O que para quem escreve, para quem apenas escreve, tem inconveniente nenhum. Mas, convenhamos, nivelar por baixo, é nivelar pelo medíocre. O Acordo, em si, nem é bom nem é mau. É pior. Não contém genes de unidade nem de unicidade. E aponta para a necessidade de uma ruptura, definitiva, da linguística e da linguagem dos povos de países que pretendem afirmar-se. Que pretendem construir nações. No contexto das lutas contra a opressão colonial, a língua portuguesa foi definida como língua de combate e de unidade nacional. Assim deve continuar a ser. Para além dos acordos espúrios que por aí se anunciam, a língua portuguesa deve continuar a ser língua de combate. Uma língua de combate e a língua de ruptura.

domingo, julho 06, 2008

haveremos de continuar a saber quem roubou vaca, cabrito, galinha ou pato

Dois processos de julgamento, que vinham decorrendo em tribunais da cidade de Maputo, chegaram ao fim. Com desfechos diferentes. No chamado “caso dos turcos”, os dois réus foram condenados. A um ano de prisão, cada. Por ter sido provado que haviam maltratado 17 jovens moçambicanos. Durante vários meses. À condenação, foi ajuntada uma indemnização. Monetária. O pagamento de uma indemnização a cada um dos molestados. Das vítimas. O pagamento de um valor pouco mais do que simbólico. Digamos, um valor irrisório. Quando, recordamos que tem diz ter vindo para ajudar afinal se entregou a hábitos e práticas que em nada têm a ver com ajuda. Muito menos ajuda humanitária. Ao tempo em que se escreve este texto, está por saber, ficam em aberto outras questões. Por exemplo, se os turcos irão ou não ser sujeitos a segundo julgamento. Por permanência ilegal em Moçambique. Assim como os motivos que levaram duas entidades, aparentemente, legais a terem solicitado os vistos de entrada dos turcos em Moçambique. É óbvio, neste campo não estamos perante matéria de Justiça. Ainda e neste momento. Mas perante a hipótese, a não excluir, de um caso de segurança do Estado. E segurança do Estado no sentido mais lato. Os já vários casos, públicos, de jovens moçambicanos recrutados para aprenderem o islão, aconselha a uma investigação profunda. Mais ampla. Profissional. Para se evitarem surpresas. E, para que ninguém, nunca mais, possa vir dizer que não sabia, Que não foi alertado.


O outro processo chegado ao fim, foi o do chamado “caso Albano Silva”. Aqui, a absolvição de todos os acusados foi o corolário lógico do que foi vindo a público. Como relato do que se estava a passar em sede de julgamento. Pese o facto de, a partir de determinada altura, ter sido posta a circular a versão sobre a possibilidade de os acusados poderem vir a ser condenados a pesadas penas. Uma versão sem sentido, sem lógica, não sustentável. Hoje, perante e depois do veredicto do juiz da causa, algo parece estar a ruir. Ou deveria estar a ruir. Muito embora, sendo que para ruir seja necessário existir. Primeiro. O que não existe não pode ruir. Logo, por fim, nada irá ruir. Porque não existe. É assim, parece ser assim, que, em termos de lógica, os ladrões de galinhas e de patos devem continuar a acautelar-se. A menos que não. Pode não. Caso estejamos a lavrar em erro. O que até seria bom. Seria que nos haveriam de vir dizer coisas outras e bem contrárias. Mais sérias. Que nos viriam dizer sobre a revisão ou a reabertura de processos anteriores. Mas conexos. A questão, está em saber se a alguém levanta, ou não, dúvidas o desfecho dos há muito julgados, e tentativamente empurrados para o esquecimento, “caso BCM” e “caso Carlos Cardoso”. E, como alternativa ou por oposição, a quem incomoda uma investigação séria e independente sobre a morte de Siba-Siba Macuácua. No nosso país, continua complexo separar os autores dos roubos, dos desfalque, do crime de colarinho branco, do comércio ilegal de drogas, do negócio de armas, do tráfico de influências. Dizer, afinal, quem é quem. Enquanto assim, e com o devido e merecido destaque informativo, haveremos de continuar a saber quem roubou vaca, cabrito, galinha ou pato.

domingo, junho 29, 2008

Temos o direito de exigir mais e melhor trabalho

Um pouco por todo o país, presidentes de Conselhos Municipais têm vindo a público fazer balanço do seu desempenho. Dizer o que fizeram. Dizer o que não conseguiram fazer. Isto, a pouco meses do final do mandato para que foram eleitos. Sobre Maputo, sem que o tenha sido dito, podemos dizer ter sido feito muito. Mas que muito há por fazer. Pode dizer ter sido feito e estar em curso trabalho de vulto em termos de reparação de vias de circulação, de saneamento, de fornecimento de água, de iluminação pública. Como pode dizer-se estarem longe de obter sucesso os esforços desenvolvidos para uma adequada e eficaz recolha do lixo, na disciplina na circulação do trânsito automóvel, principalmente no que diz respeito aos semi-colectivos e no enquadramento dos chamados vendedores de esquina. Mas, existem, também, aquilo a que poderíamos chamar de manchas negras. Uma, é a da destruição ou do desaparecimento do cadastro dos terrenos municipais. Outra, a actuação, tantas vezes desastrada ou desastrosa, da polícia municipal. Nas mais diversas situações. Mas e na generalidade contra cidadãos indefesos. Agora e por fim, o aparente uso excessivo e de força desnecessária para destruir uma construção no Bairro da Coop. Neste caso, admitindo que a actuação municipal possa ter sido legal, fica a dúvida se foi legítima. Se não, ou e se não, pode colocar-se a dúvida se em vez da solução do problema não estaremos perante a causa, ou as causas do problema. Dos muitos problemas por resolver.

Na sua última e recente visita à cidade de Maputo, em chamada presidência aberta, o Presidente da República ter-se-á apercebido de alguns conflitos. De conflitos entre governantes e governados. Muito provavelmente, muito possivelmente, de conflitos de interesses. Económicos, pois não. Daí o ter dado prazo aos senhores do Conselho Municipal para se sentarem à mesma mesa com os informais. E resolveram as divergências. Ao que parece, solução de consenso foi encontrada. Quanto à polícia municipal, actua em função dos poderes que lhe foram concedidos. Que tanto podem ser muitos como nenhum. Ninguém sabe. Também ninguém quer saber. Muito menos clarificar publicamente o âmbito da sua competência e da sua acção. Constitui o exemplo acabado do eu quero, posso e mando. Logo, da prepotência e da ilegalidade. Por fim, dizer que sobre a demolição do Splash, não há nada a dizer. Por mera questão de lógica. Pode, isso sim, comentar-se. Que foi desnecessário um tal aparato de força perante questão assim tão menor. Não fez sentido nem tem qualquer justificação. Não estamos, de certeza, no país de Mugabe em aparente desespero de causa. Mas estamos em ano de eleições em Moçambique. E, esta demonstrada falta de estratégia política pode ter reflexo nas urnas. Não foi para este tipo de espectáculo nem para esta demonstração de força gratuita e objectivamente desproporcionada que elegemos os actuais gestores da cidade de Maputo. Temos o direito de exigir mais e melhor trabalho.

domingo, junho 22, 2008

quem violou o código secreto e porque motivo

No mesmo dia, provavelmente quase à mesma hora, deveriam ter-se iniciado dois julgamentos em que Moçambique, como Estado, é parte interessada. Porque envolvem moçambicanos. Um dos julgamentos, deveria ter tido lugar em Tribunal de Pretória. O outro, em Tribunal de Maputo. Em ambos os casos, estão envolvidos jovens moçambicanos. No primeiro, raparigas. No segundo, rapazes. Em ambas as situações, haverá menores. Ou, se assim se preferir, a utilização de menores em práticas ilícitas. Ilegais. Aconteceu, porém, ambos os julgamentos terem sido adiados. Pelo mesmo motivo. Por motivos iguais. Seja que foi, falta de tradutores. Na África do Sul, terá sido a falta de tradutor de inglês para português o motivo, a razão do adiamento. Em Moçambique, em Maputo, o motivo, a razão do adiamento terá sido a falta de tradutor de português para turco. Não se duvida que, em ambos os caos, os Tribunais tenham agido em pleno respeito pela Lei. De cada um dos países, Mas, também podemos admitir a hipótese de se estar em presença de artifícios legais para adiar os julgamentos. Para fazer retardar os processos. Para tentar ganhar tempo. Com objectivos que só a alguns interessam. Mas, que não custa especular sobre quais possam ser. Contudo, só o devir, só o depois o dirá.


O caso dos cidadão turcos detidos em Maputo, parece ter chocado a opinião pública nacional. Talvez menos pelos turcos e mais pelos moçambicanos apresentados como vítimas. Mas além disso, para além do possível choque, deveria também alertar as autoridades. Para uma realidade que se repete. Para uma realidade que começa a repetir-se. Que começa a ser repetitiva. A partir ou com começo em Cabo Delgado. É neste contexto que a falta de tradutor para o início dos cidadão turcos parece pormenor. Apenas pormenor e irrelevante. Importante, isso sim, afigura-se a questão de conhecer os verdadeiros objectivos da vinda e fixação dos turcos em Moçambique. Ao que se diz, inicialmente quatro. Um, terá morrido. Outro, terá ido. Logo, ficaram dois. Importante, repita-se, será esclarecer como vieram e como chegaram. Como e com que documentos entraram no país. De quem é a casa onde viviam e quem lha alugou. Quanto e a quem pagavam o arrendamento. Quem pagava imposto ao Estado sobre o aluguer. Donde provinha o dinheiro para subsistirem e sustentarem os 17 jovens com quem viviam. E conviviam há cerca de dois anos. Como e em que língua se comunicavam com esses mesmos jovens. Depois, tratando-se de jovens entre 10 e 17 anos, parece pouco crível estarmos perante caso de pedofilia. Parece mais adequado falar em sodomia. Pergunte-se, ainda, como é que indo esses jovens frequentar, todos os dias, escolas públicas nunca lhes passou pela cabeça abandonarem o local onde eram maltratados e violentados. Denunciar as condições em que viviam. Ou, sendo tantos e, alguns, em idade adulta, qual o motivo que os impediu, em caso extremo, de passarem de agredidos a agressores. Competindo, agora, ao Tribunal julgar, cabe também ao Tribunal esclarecer. E, entre os vários aspectos a esclarecer está o de saber se estamos perante um caso de cativeiro, de cárcere consentido ou não. Quais eram as regras que regulavam as relações entre dominadores e dominados. Qual o código ou as regras secretas que ambas as partes haviam assumido respeitar e uma deles violou. Em síntese, quem violou o código secreto e porque motivo.